quarta-feira, 2 de janeiro de 2013
Lei, seca lei
Por Valter Heller Dani
As leis sempre existiram para frear aqueles indivíduos com a bússola moral defeituosa. Para o cidadão moralmente são, as leis são inúteis, pois ele viveria normalmente sem elas e sem tampouco prejudicar ninguém.
Urge
 na atualidade a necessidade de se resolver problemas nevrálgicos com 
medidas contundentes de curto prazo, o que, à primeira vista, parece 
perfeitamente revestido de lógica. O que passa despercebido, como sempre
 nessas tentativas, é que, em alguns casos, essas medidas contundentes 
acabam por atingir aqueles que não precisavam ser atingidos e deixam 
escapar aqueles que deveriam.
A
 quantia enorme de mortes no trânsito a cada ano levou os brasileiros a 
aceitar de forma passiva leis abusivas que, à primeira vista, parecem 
ter vindo para diminuir o problema em foco, mas na verdade só servem 
para diminuir ainda mais as liberdades individuais e pouco, muito pouco 
resolvem aquilo que deveriam resolver. O álcool não é, de forma nenhuma,
 o maior responsável por esse Vietnã anual das estradas brasileiras. Os 
verdadeiros responsáveis são a imprudência, a negligência, e a 
imperícia. A combinação destes fatores, sim, é assassina. Mas, quando 
num caso de grande repercussão é constatada a presença do fator álcool, 
isso rapidamente se aplica a todos os milhares de ocorrências como se 
fizesse parte específica de cada uma. 
Aparvalhados com esses dados, os 
cidadãos passam a achar certo que lhe restrinjam ainda mais nos seus 
direitos individuais, dos quais constam dirigir sem ser parado e não ser
 obrigado a fazer testes sem ter dado motivo algum.
O aumento das mortes no trânsito nesse feriado de Natal em relação a 2011 foi grande em todo Brasil. Só no Sul 28 mortes (http://www.clicrbs.com.br/pioneiro/rs/impressa/11,3992216,499,21072,impressa.html)
 sendo que não se flagrou um caso sequer de alcoolemia nos motoristas 
envolvidos. Ao mesmo tempo, uma verdadeira enxurrada de motoristas que 
estavam conduzindo seus veículos de forma segura, são autuados todos os 
dias por uma ingerência mínima de álcool.
Acima
 do Equador, onde estão as nações que gostamos de denominar como 
‘primeiro mundo’, há muito tempo que álcool e direção, combinação que 
pode causar danos a terceiros, são combatidos pelos governos sem leis 
que proíbem a ingestão de álcool de forma tão radical como a adotada 
aqui. Decididamente não há por lá a perseguição de todos os motoristas 
de forma geral e sem exceções. Ora, por que um motorista que dirige 
dentro das normas atuais regidas pelo Código Nacional de Trânsito, com 
seu veículo, bem como sua documentação pessoal, em dia, deve ser 
obrigado a fazer o teste de alcoolemia? Existem testes de natureza 
extremamente simples que podem constatar se o motorista tem as condições
 motoras e cognitivas necessárias para guiar. Por que não aplicar esses 
testes?
As
 forças de segurança deveriam direcionar seus recursos logísticos para 
identificar o motorista embriagado, aquele que dirige em zigue-zague, 
atropela, etc., que ao ser interpelado por um agente, não consegue 
concatenar uma frase com sentido lógico. Sobre esse deve-se fazer pesar a
 dureza da lei, não ao motorista que retorna para casa após ter jantado 
com a família e ingerido uma quantidade de álcool que nem de longe pode 
fazê-lo entrar no rol de motoristas irresponsáveis e que, como gostam de
 rotular os juristas, estão em “dolo eventual”, uma vez que assumiram o 
risco de matar alguém. Ora, quem após ingerir duas taças de vinho ou uma
 cerveja, estará pondo a vida de terceiros em risco? É de uma 
arbitrariedade ímpar tratar um motorista que ingeriu uma quantidade 
civilizada de álcool como um perigoso risco à sociedade. Esse motorista 
está fadado a sofrer uma sanção a partir do momento em que for parado 
por um fiscal de trânsito, não há escapatória. Se fizer o teste e for 
constatado que ingeriu, mesmo que muito pouco álcool, ficando dentro dos
 limites aceitáveis em qualquer parte do hemisfério norte, vai ter a 
carteira apreendida, pagará multa e responderá um processo 
administrativo. Se por acaso recusar-se a fazer o teste vai ter a 
carteira igualmente apreendida, pagará multa e responderá a processo. 
Não há distinção no tratamento. Ou será tratado como um bêbado perigoso,
 ou será tratado como um bêbado perigoso que não quer fazer o teste.
A
 partir de agora, o agente da lei terá o poder de decidir, através de um
 exame visual e quem sabe até através daqueles testes que já são 
aplicados há décadas nos EUA, se o condutor está ou não alcoolizado. 
Isso é ótimo. É uma boa maneira de driblar a negativa dos motoristas 
realmente bêbados em fazer o teste. Nada de errado nisso. Mas por que o 
agente de trânsito não pode usar esse mesmo discernimento, o que o faz 
constatar que o indivíduo não tem condições de dirigir, para chegar à 
conclusão de que um motorista que até tenha bebido um pouco, tem plenas 
condições de chegar em casa sem botar a vida de ninguém em risco? O 
mesmo poder que serve para declarar que um motorista não tem condições 
de dirigir, obrigatoriamente tem que servir para atestar que um 
motorista que embora tenha ingerido alguma quantidade de álcool, pode 
dirigir, pois não demonstra estar com suas habilidades comprometidas. 
                                                   
O
 bêbado irresponsável e perigoso, aquele para qual as leis foram feitas e
 que nunca irá respeitá-las mesmo assim, justamente por ter a formação 
moral degenerada, é conduzido a uma delegacia onde faz o famoso teste do
 bafômetro que afere quantias estratosféricas de álcool, em seguida paga
 uma fiança miserável e é prontamente liberado. Alguma coisa está errada
 na estrutura e na aplicação dessa lei, que trata igualmente os 
desiguais. Acaba se tornando uma lei seca, seca de conteúdo, seca 
daquilo que mais se espera em qualquer pena que seja aplicada: a 
proporcionalidade.  
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