quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Os marxistas sebentos e os ricos fedorentos I



Se quiséssemos delimitar num campo linear, muito simples e primário, os dois grupos que são a causa da intranquilidade social dos países livres ainda retardados em seu progresso, diríamos que, de um lado, estão os ricos fedorentos e, do outro, os marxistas sebentos.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

PEC de cu é rola


Uma visão muito bem humorada das "jornadas de junho", por Paulo Bono do blog Espalitando Dente



Foi tudo muito rápido. Eu estava em casa com o peito cheio de dor e gases. Estrangulava a tarde com bobagens na internet enquanto aguardava por um maldito arroto. Foi quando vi esse vídeo do Pelé dizendo para esquecermos as manifestações e apoiarmos o time do Felipão. Só mesmo a Xuxa para dar a buceta a um cara desses. De alguma forma, aquele vídeo me fez mal. Então peguei o telefone, liguei pro Guismo e disse – “Tô dentro”. Bati a porta e desci a rua. Passei num desses armarinhos coloridos e pedi uma cartolina e uma caneta Piloto. Escrevi a frase enquanto a putinha do balcão observava suas unhas. “Só se fala nesse protesto” – ela disse – “mas é contra o quê mesmo?”. Eu disse – “Vamos fuder a bastilha, baby!”. Depois peguei um ônibus e logo estava no Campo Grande já arrependido de ter deixado meu sofá para trás.


quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Salto No Escuro



Um belo poema de Ângelo Monteiro



Para o salto que anelo a vida é tanta
Que não conto no tempo o seu pulsar:
Pois o vento proclama o jogo errante
Com as flores e as nuvens ao passar.
 

No arremesso da corda para o salto
Pouco interessa aonde vá cair:
Se no mar ou no escuro firmamento
As estrelas e as ondas são porvir.
 

Digam o que disserem, a beleza
É inteligente e por isso não cansa:
E no jogo com ela só quem perde
É quem por medo foge e não avança.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Boas Bestas







Quero te assustar: dar a cara ao teu soco,
beijar teu rosto, beber teu suor,
amar teu ódio.
E, se um dia o tempo pesar,
estaremos juntos,
embrigados de um apetite
voraz, só então
Faremos a revolução.

The Dying Heart



“Time drops in decay,
Like a candle burnt out”
(Willian Butler Yeats)

 
Este coração que sangra agora,
Já não sangra por amor ou glória,
É o sangrar da enfermidade:
A Agonia da liberdade
No peito de quem chora.

sábado, 10 de agosto de 2013

O Ópio dos Intelectuais

"Em rigor, o ateísmo acredita que sabe, mas não sabe que acredita"


 

Por João Carlos Espada


Uma ‘nova’ moda percorre a Europa: a moda do ateísmo militante. Na inevitável França, multidões assistem às palestras do novo «philosophe» de serviço: Michel Onfray, autor de ‘Traité d’athéologie’, um «best-seller» entre os nativos, bem como em Espanha e Itália. A sua ‘Universidade Popular de Caen’, onde não há exames nem diplomas(sic), mas existe o inevitável subsídio do governo local, fiéis atentos disputam lugares nos auditórios. A doutrina oficial chama-se aí ‘hedonismo ético’.

quarta-feira, 31 de julho de 2013

NUMA ESPERANÇA QUE RESULTOU VÃ



Um maravilhoso poema do Frei Luis de León



Foge, felicidade, de meu peito;

que engano te remete novamente
à fúria de um passado sem proveito?



Guarda memória do tempo inclemente, 
quando aos olhos do povo, desterrada, 
foste acusada repentinamente.


quinta-feira, 11 de julho de 2013

A esquerda e os mitos difamatórios



Por Olavo de Carvalho


No show de ignorância dado à Folha de S. Paulo,  em entrevista, pelos líderes da FLIP (Festa Literária Internacional de Paraty), recém encerrada, a estrela maior foi sem dúvida o sr. Milton Hatoum, que, incapaz de lembrar o nome de um só escritor brasileiro importante, que fosse de direita, ainda completou a performance com esta maravilha: "Diziam que Nelson Rodrigues era, mas discordo. Era provocador, irônico, e na ditadura lutou para libertar presos."
 

terça-feira, 25 de junho de 2013

VICO VIVO




A ESTÁTUA do filósofo Giambattista Vico ergue-se na Villa  Nazionale, o parque municipal de Nápoles. Perto do mar, a figura de pedra, corroída pelo tempo, olha o panorama do Posilippo, da ilha de Capri, do Vesúvio, ao pé do qual a cidade submergida de Pompéia dorme: paisagem essencialmente histórica, onde os gregos, os romanos, os longobardos, os árabes, os alemães, os franceses, os espanhóis deixaram os seus traços; paisagem que sonha com o passado, e com um futuro incerto. Como a história, também aquela estátua, na penumbra das árvores velhíssimas, parece insensível aos sofrimentos e sonhos humanos; contempla com o olhar frio de pedra as crianças inocentes que brincam ao pé do monumento, que não sabem quem foi aquele que lhes traçou, a elas também, os implacáveis destinos futuros.

Como sabem morrer as mulheres na ópera!

Morte de Electra na ópera "Idomeneo", de Mozart:



Morte de Abigaile na ópera "Nabucco", de Verdi:

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Badou às Portas Do Inferno


(ou Epitáfio Para A Esperança)

Cá está Badou, com o vento a soprar-lhe os cabelos.
Um homem cuja solidão violou o sacro tempo,
A quem a loucura tornou um deus de areia.

Sobrevivo ainda, é verdade: até quando?
Reconheço as desventuras, a vontade deles.
Sou Ulysses contra a fúria de um mar cor de vinho.

Minha odisseia urbana, meu tempo perdido:
Ando como um escravo que canta ao pensamento
O coro dos vencidos, suspiros pela pátria usurpada.

Poderá alguém dizer: “acaso deliras?”
Mas, no subsolo, Badou constrói sua torre de marfim,
Brada aos quatro ventos a mediocridade da raça.

O “território livre” se encontra com o Construtivismo na Terra do Nunca




Desde que ingressei na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em 1992, intriga-me ouvir que a USP e, por conseguinte, o Largo, constitui território livre. Sempre tentei compreender o que essa liberdade significaria.

Textos de Nelson Rodrigues






A Multidão Afrodisíaca

Uma Banana Como Merenda

As Gêmeas

A Vaca Premiada

A Feia Nudez

Era Bonito Ser Histérica

O Ex-Covarde

A MULTIDÃO AFRODISÍACA

Por Nelson Rodrigues



Nunca me esqueço de uma conversa que tive, há tempos, com o Plínio Marcos, o autor mais representado do Brasil. Hoje, é difícil, senão impossível, descobrir um teatro que não tenha o seu nome, na frente, como uma manchete. Mas eis o que me disse o Plínio Marcos: — “Eu queria representar no Maracanã, para 200 mil pessoas!”.


terça-feira, 11 de junho de 2013

Badou às portas do paraíso





"As palavras do poeta volteiam incessantemente em redor das portas do paraíso e batem implorando a imortalidade."
Goethe

No caos em que choro
Meus deuses de outrora.
Ao distante céu imploro,
Rogo àquela musa ignara
Que pelos ares abandone
Um ou outro verso infame
Que faça, em Badou, o milagre
De enterrar a poesia certa,
Ainda que ele nunca espere
A porta do paraíso aberta.

Tempo tríbio: de Burke a Gilberto Freyre











Por Thiago Moraes

Um dos maiores problemas que encontramos no quadro institucional de nosso país é a falta de compromisso dos políticos com as idéias que dizem defender, de modo que ao se votar num socialista muitas vezes estamos escolhendo apenas mais um exemplar do velho coronelismo e ao se votar num liberal apostamos num defensor de todas as formas de mal corporativismo. Para quem é católico isso até acarreta uma complicação extra, pois para seguir os ensinamentos da Igreja em matéria política se fica dependendo de uma reflexão sobre o que as coisas são na realidade, já que não é prudente fazer uma aplicação direta baseada em rótulos.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Eles, os medíocres




Quem, calado, abomina
Os fazeres do homem
Medíocre que parte para
A luta e leva no rosto
A poeira do chão,
Sabe o que é
Ser maior de espírito
Contra míseros corvos
Que usurpam eternidade.
Badou percorreu casas,
Adentrou mulheres,
Violou virgens pelos quatro
Cantos da vida eterna:
Amém!

domingo, 9 de junho de 2013

O Inferno Lírico de Badou Sarcass X


Eu, Badou Sarcass, anarquicamente único,
Religiosamente ateu...
Vivo como se estivesse às vésperas da morte,
Ou talvez, da vida plena.
Eu, amante do demônio,
No qual não acredito nem um pouco.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Oscar, o stalinista



Certa vez, numa entrevista concedida à revista “Playboy”, Gilberto Freyre - autor de “Casa Grande & Senzala”, o livro clássico que revelou a importância do negro na formação histórica da sociedade brasileira - incluiu o arquiteto Oscar Niemeyer na sua lista de sujeitos proeminentes que considerava burro. Aliás, mais do que burro, o mestre de Apipucos o tinha na conta de sujeito chato e muito ignorante, um tipo de pessoa com a qual seria sempre difícil manter-se uma conversa interessante. (Ah, agora me lembro: a entrevista foi concedida ao jornalista Ricardo Noblat, então repórter da Veja, ou coisa assim, no início dos anos 80).

quinta-feira, 21 de março de 2013

Momento


Um poema de Hélio Pellegrino 


Oh! A resignação das coisas paradas, 
grávidas de silêncio, reverentes, 
em sua geometria sem jactância! 

A placidez das ruas acolchoadas
contra a dura cintilação do dia; 
o recato das árvores, a prece 
das esquadrias de alumínio ionizado 
na fachada do edifício em frente! 

Todas as coisas - em clausura - cumprem votos, 
enquanto a vã filosofia do século 
pensa que move o mundo.

segunda-feira, 18 de março de 2013

O mal na obra de Lars von Trier






Quem quiser se divertir no cinema não vá ver os filmes de Lars von Trier. Mas quem quiser discutir antropologia filosófica e a questão do mal no mundo é lá que deve ir. A coragem artística do diretor norueguês não tem limite. Sua habilidade com a câmara é digna de um Kubrick. Penso que ele fez (faz) a mais correta e completa crônica de nossos tempos, a fisiologia da alma nesse maldito século XXI. Não por acaso nos filmes a questão psicológica (e psiquiátrica) tem relevo. Psiquiatria: ciência da alma.

segunda-feira, 4 de março de 2013

Uma Banana Como Merenda




Eu e o Hélio Pellegrino temos um amigo que é o que se chama um erudito. E o pior é que se trata de um caso recente e diria mesmo de fulminante erudição. A princípio suspeitei de uma deslavada escroqueria intelectual. E aqui começa o mistério que desafia todo o meu raciocínio e toda a minha intuição. Do dia para a noite o semi-analfabeto aprendeu não sei quantos idiomas. 

Já não digo francês, que todos falam, menos eu. Não. O rapaz declamava Goethe em puríssimo alemão. E, certa noite, passei pelo seu quarto, na praça Onze (ele mora no alto, junto à clarabóia, como no tempo de Paulo de Koch). Entro e o surpreendo, no meio de três ou quatro, em pé, recitando o padre-nosso em grego. Saí dali e fui ligar para o Hélio Pellegrino. Disse-lhe, sinceramente esmagado: — “Hélio, nós somos dois analfabetos!”. 

Eu e o Hélio, cada vez mais inferiorizados, temos seguido pelos jornais a carreira de tão vasta e súbita erudição. E eu fico a resmungar, na irritação da minha impotência: “Como sabe! Como lê! Como cita!”. Até que, de repente, baixou-me uma luz e descobri toda a fragilidade daquela monstruosa estrutura. Aquilo era uma catedral de pauzinhos de fósforos, sim, um gótico de palitos. 

Certa manhã, fui para a máquina e bati minha primeira carta anônima. Se bem me lembro, dizia mais ou menos o seguinte: — “Leia pouco, pelo amor de Deus, leia pouco!”. E assim, nesse tom de salubérrimo descaro, fui dizendo tudo. Aconselhei-o a voltar ao Dumas pai, a Ponson Du Terrail, a Michel Zevaco, Eugène Sue e outros folhetinistas de boa cepa. Acabei a carta, enfiei-a no envelope e tive a desfaçatez de mandá-la registrada. 

Agora, a revelação: — em que pese o evidente traço caricatural, não estou longe de pensar assim. Por tudo que sei da vida, dos homens, deve-se ler pouco e reler muito. A arte da leitura é a da releitura. Há uns poucos livros totais, uns três ou quatro, que nos salvam ou que nos perdem. É preciso relê-los, sempre e sempre, com obtusa pertinácia. E, no entanto, o leitor se desgasta, se esvai, em milhares de livros mais áridos do que três desertos. 

Certa vez, um erudito resolveu fazer ironia comigo. Perguntou-me: “O que é que você leu?”. Respondi: “Dostoievski”. Ele queria me atirar na cara os seus quarenta mil volumes. Insistiu: “Que mais?”. E eu: “Dostoievski”. Teimou: “Só?”. Repeti: “Dostoievski”. O sujeito, aturdido pelos seus quarenta mil volumes, não entendeu nada. Mas eis o que eu queria dizer: pode-se viver para um único livro de Dostoievski. Ou uma única peça de Shakespeare. Ou um único poema não sei de quem. O mesmo livro é um na véspera e outro no dia seguinte. Pode haver um tédio na primeira leitura. Nada, porém, mais denso, mais fascinante, mais novo, mais abismal do que a releitura. 

(Divaguei demais e desculpem.) De Dostoievski passo à minha infância. Há bastante de Dostoievski, bastante de Dickens, na rua Alegre, em Aldeia Campista. Não será a pura semelhança episódica, Não. É uma semelhança, digamos assim, de atmosfera. Sinto que parte de minha infância está inserida, difusa, volatilizada em certas páginas de Dickens ou Dostoievski. Por exemplo: — eu poderia fazer, com minha passagem pela escola pública, uma antologia de humilhações. (Está comigo, enterrado em
mim, um perene menino humilhado.) 

A escola era bem na esquina da rua Alegre com Maxwell. (Quando Lili morreu, eu achava absurda a vida sem Lili. Lembro-me de que, depois do enterro, eu mudava de calçada para não passar pela sua porta.) Comecei a sofrer no recreio. Já disse que levava para a escola, como merenda, uma imutável banana. No primeiro dia, bateu a sineta do recreio e lá fui eu. O pátio se inundou de meninos e meninas. Apanhei a banana e, sem pressa, comecei a descascá-la. Fazia isso meio solene, como se descascar banana exigisse uma técnica, uma arte, não sei que virtuosismo. 

Descascada a banana, eu não a mastigava imediatamente. Não. Com delicada paciência, punha-me a chupá-la, como hoje se faz com o Chicabon. E, ao mesmo tempo, olhava para os outros meninos. Não sei por que, o fato é que, no primeiro e segundo dias de escola, tive orgulho, vaidade da banana. Olhava para os garotos, como se dissesse: “Eu tenho uma banana. Estou comendo uma banana”. Mas já o primeiro dia deu-me para perceber que havia toda uma fauna de merendas prodigiosas. 

Lembro-me de que uma das minhas invejas mortais foi um garoto, já taludo. (Eu era miúdo e tinha vergonha da minha cabeça grande.) Trouxe a merenda embrulhada em papel de pão e amarrada com barbante. Desfez o nó do barbante e abriu o papel: — então, eu a vi. Era um sanduíche de pão com ovo. Pão com ovo. O menino pôs-se a comer. A gema escorria-lhe da boca como uma baba amarela. E outros garotos e garotas levavam sanduíches de goiabada, de queijo, de bife; havia uma menina que levava biscoitos numa latinha. 

No terceiro dia, comecei a ter vergonha da banana. Fosse prata, ou maçã, mas era banana. Nasceu em mim, então, a utopia do sanduíche de ovo. Se eu levasse um, havia de comê-lo no meio do recreio, com todos olhando; e deixaria a gema escorrer pelo queixo. Ao mesmo tempo que me envergonhava da banana, tinha-lhe pena. Pena da banana. De vez em quando, faltava dinheiro em casa. Banana custava um vintém. E eu ia para a escola sem merenda. Na hora do recreio, rodava pelo pátio, errante e perdido de fome. 

Já contei o episódio das orelhas sujas. Mas não foi só. De vez em quando a professora me apontava como um exemplo: — “Não quero menino sujo na minha classe. Já basta o Nelson”. As meninas me olhavam e eu tinha de novo o sentimento de nudez pública. Até que, um dia, estava eu no meu banco, que era o último (eu me sentava embaixo de uma janela). E, de repente, ouço a voz da professora: — “Menino, não coça a cabeça!”. Eu devia estar entretido no meu sonho. A professora bate com a régua na mesa: — “Nelson! Não está me ouvindo? Levante-se! De castigo, já! Ali, fica ali! Aí!”.

 Saí eu, lá do fundo, assombrado, e vim atravessando toda a classe. Dizia, chorando: — “Eu não ouvi a senhora me chamar!”. E ela: — “Menino insubordinado!”. Estou de frente para o quadro-negro, de costas para a classe. E ela: — “Vira, vira! Fica de frente!”. Estou cara a cara com os outros. Ela ainda continua: “Parece que tem o bicho carpinteiro, esse menino!”. E, súbito, muda de tom. Pergunta: — “Por que é que você coça tanto a cabeça? Vem cá. Chega aqui. Pode vir”. Eu me chego. Ela está dizendo, quase doce: — “Está com medo? Eu não vou te fazer nada, Nelson. Vem, meu filho!”. E completa, rápida, cortante: — “Quero só examinar tua cabeça”. Paro: — “Não, não!”. Mas ela vem me buscar; sou arrastado: — “Fica quieto, fica quieto!”. Imobiliza a minha cabeça. Sinto seus dedos enfiados nos meus cabelos. E, de repente, o berro: — “Não disse?”. Vira-se para a classe: — “Eu sabia! Eu sabia! Tem piolhos, lêndeas!”. Levou-me para a sala da diretora: — “Esse menino não pode ficar com os outros! Pega piolho nos outros!”. A diretora, de óculos e papada, fez uma boquinha de nojo. Depois da aula, levei para casa um bilhete da professora. E mudei de calçada para não passar pela porta de Lili.

(15/12/1967)  No livro "O óbvio ululante"

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

O mito da raça


Lei, seca lei


Por Valter Heller Dani

As leis sempre existiram para frear aqueles indivíduos com a bússola moral defeituosa. Para o cidadão moralmente são, as leis são inúteis, pois ele viveria normalmente sem elas e sem tampouco prejudicar ninguém.


Urge na atualidade a necessidade de se resolver problemas nevrálgicos com medidas contundentes de curto prazo, o que, à primeira vista, parece perfeitamente revestido de lógica. O que passa despercebido, como sempre nessas tentativas, é que, em alguns casos, essas medidas contundentes acabam por atingir aqueles que não precisavam ser atingidos e deixam escapar aqueles que deveriam.


A quantia enorme de mortes no trânsito a cada ano levou os brasileiros a aceitar de forma passiva leis abusivas que, à primeira vista, parecem ter vindo para diminuir o problema em foco, mas na verdade só servem para diminuir ainda mais as liberdades individuais e pouco, muito pouco resolvem aquilo que deveriam resolver. O álcool não é, de forma nenhuma, o maior responsável por esse Vietnã anual das estradas brasileiras. Os verdadeiros responsáveis são a imprudência, a negligência, e a imperícia. A combinação destes fatores, sim, é assassina. Mas, quando num caso de grande repercussão é constatada a presença do fator álcool, isso rapidamente se aplica a todos os milhares de ocorrências como se fizesse parte específica de cada uma. 

Aparvalhados com esses dados, os cidadãos passam a achar certo que lhe restrinjam ainda mais nos seus direitos individuais, dos quais constam dirigir sem ser parado e não ser obrigado a fazer testes sem ter dado motivo algum.


O aumento das mortes no trânsito nesse feriado de Natal em relação a 2011 foi grande em todo Brasil. Só no Sul 28 mortes (http://www.clicrbs.com.br/pioneiro/rs/impressa/11,3992216,499,21072,impressa.html) sendo que não se flagrou um caso sequer de alcoolemia nos motoristas envolvidos. Ao mesmo tempo, uma verdadeira enxurrada de motoristas que estavam conduzindo seus veículos de forma segura, são autuados todos os dias por uma ingerência mínima de álcool.


Acima do Equador, onde estão as nações que gostamos de denominar como ‘primeiro mundo’, há muito tempo que álcool e direção, combinação que pode causar danos a terceiros, são combatidos pelos governos sem leis que proíbem a ingestão de álcool de forma tão radical como a adotada aqui. Decididamente não há por lá a perseguição de todos os motoristas de forma geral e sem exceções. Ora, por que um motorista que dirige dentro das normas atuais regidas pelo Código Nacional de Trânsito, com seu veículo, bem como sua documentação pessoal, em dia, deve ser obrigado a fazer o teste de alcoolemia? Existem testes de natureza extremamente simples que podem constatar se o motorista tem as condições motoras e cognitivas necessárias para guiar. Por que não aplicar esses testes?


As forças de segurança deveriam direcionar seus recursos logísticos para identificar o motorista embriagado, aquele que dirige em zigue-zague, atropela, etc., que ao ser interpelado por um agente, não consegue concatenar uma frase com sentido lógico. Sobre esse deve-se fazer pesar a dureza da lei, não ao motorista que retorna para casa após ter jantado com a família e ingerido uma quantidade de álcool que nem de longe pode fazê-lo entrar no rol de motoristas irresponsáveis e que, como gostam de rotular os juristas, estão em “dolo eventual”, uma vez que assumiram o risco de matar alguém. Ora, quem após ingerir duas taças de vinho ou uma cerveja, estará pondo a vida de terceiros em risco? É de uma arbitrariedade ímpar tratar um motorista que ingeriu uma quantidade civilizada de álcool como um perigoso risco à sociedade. Esse motorista está fadado a sofrer uma sanção a partir do momento em que for parado por um fiscal de trânsito, não há escapatória. Se fizer o teste e for constatado que ingeriu, mesmo que muito pouco álcool, ficando dentro dos limites aceitáveis em qualquer parte do hemisfério norte, vai ter a carteira apreendida, pagará multa e responderá um processo administrativo. Se por acaso recusar-se a fazer o teste vai ter a carteira igualmente apreendida, pagará multa e responderá a processo. Não há distinção no tratamento. Ou será tratado como um bêbado perigoso, ou será tratado como um bêbado perigoso que não quer fazer o teste.


A partir de agora, o agente da lei terá o poder de decidir, através de um exame visual e quem sabe até através daqueles testes que já são aplicados há décadas nos EUA, se o condutor está ou não alcoolizado. Isso é ótimo. É uma boa maneira de driblar a negativa dos motoristas realmente bêbados em fazer o teste. Nada de errado nisso. Mas por que o agente de trânsito não pode usar esse mesmo discernimento, o que o faz constatar que o indivíduo não tem condições de dirigir, para chegar à conclusão de que um motorista que até tenha bebido um pouco, tem plenas condições de chegar em casa sem botar a vida de ninguém em risco? O mesmo poder que serve para declarar que um motorista não tem condições de dirigir, obrigatoriamente tem que servir para atestar que um motorista que embora tenha ingerido alguma quantidade de álcool, pode dirigir, pois não demonstra estar com suas habilidades comprometidas.                                                   

O bêbado irresponsável e perigoso, aquele para qual as leis foram feitas e que nunca irá respeitá-las mesmo assim, justamente por ter a formação moral degenerada, é conduzido a uma delegacia onde faz o famoso teste do bafômetro que afere quantias estratosféricas de álcool, em seguida paga uma fiança miserável e é prontamente liberado. Alguma coisa está errada na estrutura e na aplicação dessa lei, que trata igualmente os desiguais. Acaba se tornando uma lei seca, seca de conteúdo, seca daquilo que mais se espera em qualquer pena que seja aplicada: a proporcionalidade.  

Fonte


Postagens populares (últimos 30 dias)

Postagens Populares (Última Semana)

Total de visualizações de página

Filmes

Formulário de contato

Nome

E-mail *

Mensagem *