Um maravilhoso poema do Frei Luis de León
Foge, felicidade, de meu peito;
que engano te remete novamente
à fúria de um
passado sem proveito?
Guarda memória do tempo inclemente,
quando aos
olhos do povo, desterrada,
foste acusada repentinamente.
Por que voltar pela estrada nublada,
onde o vento,
a tormenta e a chuva fera
só te farão
gemer na caminhada?
Aí não se vê cor da primavera,
a nuvem, sem o sol, se descolora,
o rouxinol não canta, e é longa a espera.
as misérias do dia em solidão,
e o mal presente vence o mal de outrora,
Fica no teu desterro, que este chão
já não me dá prazer nem me alivia,
por mais que a terra gire, sempre em vão;
fica no teu desterro; da alegria
e da paz que viveste semeando,
só nasce espinho
nesta terra fria;
fica no teu desterro, pois, voltando,
mais uma vez
te verei castigada
com duro açoite, pelo infame bando;
fica no teu desterro, não lembrada,
felicidade, mãe de tantas dores,
eu
sigo o triste fado desta estrada.
Os bens que quero mais, são dissabores
ofendendo-me o ser com voz perjura,
contradição de amigos traidores;
mancham-me as mãos, se elas se querem puras;
paz e amizade me declaram guerra;
as culpas faltam, sobram penas duras.
Toda inocência que meu peito encerra,
é o que me fere com maior dureza:
quando ela cresce, meu ser cai por terra.
Mudou em mim a lei da natureza,
em mim lateja a dor que não se entende
e derrota a razão e a sutileza.
Qual pássaro cativo, que pretende
desenredar-se, e mais fica amarrado,
minha própria
defesa é que me ofende.
Eu pago em mim as culpas do pecado
alheio, que
me faz seu prisioneiro,
e exigem propaganda desse estado.
Feliz quem não conhece o sorrateiro
trato da lei, dos tribunais, cidades,
as artimanhas desse mundo inteiro;
quem vive só, por mais tranqüilidade,
recolhido à
pobreza da cabana
e alimentando a mente com verdade;
e erguendo as mitos ao sol, na luz que plana
do céu à terra, em saudação mais pura,
não sente a inveja que o rancor derrama;
suas noites, que sabor, nessa ventura!,
a
mesa abastecida alegremente
pelo campo
coberto de verdura;
e junto da verdade reluzente,
do justo e o simples, seu maior tesouro,
vive do brilho que a fé
não desmente;
alegrias compondo um vasto coro,
a paz que flui da bem-aventurança,
olhos que gozam, recusando o choro.
Já tens onde morar, minha esperança;
ergue tua
casa, sem fazer ruído;
se alguém quiser saber de minha andança,
fala
que há muito tempo estou sumido.
(Tradução de Luiz Antônio de Figueiredo)
Abaixo o original em espanhol:
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