Por Carlos Ramalhete
Gambá é um bicho que é muito atropelado. Não é difícil entender o porquê, quando se os vê atravessando a estrada, rebolando e jogando aquele rabão feio e pelado de um lado para o outro. Carcaça de gambá atropelado é uma dessas coisas que só urubu pode achar apetitoso, mas que são frequentes o suficiente para que quem viaja muito sempre as veja.
Em
 ambientes controlados, refrigerados e limpos, vemos outro tipo de 
carcaça animal: belas peças de alcatra e picanha, penduradas nas 
vitrines dos açougues. Tão bonitas que acho que o urubu iria demorar 
para entender que é para comer.
O problema começa quando o tratamento dado às alcatras 
começa a ser estendido a seres humanos, como fazem os muitos homens que 
tratam as mulheres como coisa, como peças de carne expostas em açougues.
 É um problema sério, que só pode ser combatido fazendo com que eles 
percebam que elas são muito mais que peças de carne. Reafirmando a 
sempre existente dignidade feminina que eles negam.
Infelizmente, há quem ache que a solução é passar de alcatra a 
carcaça de gambá atropelado. Como triste exemplo, sábado teremos uma 
passeata de carcaças de gambá em Curitiba, quando a edição local da 
“Marcha das Vadias” vai tentar desfazer o que resta de respeito à 
dignidade feminina, com direito a senhoras seminuas, com frases de 
efeito rabiscadas pelo corpo, berrando como almas penadas e assustando 
as crianças, os cachorros e mesmo algum gambá ou urubu perdido na 
cidade.
O equivalente masculino talvez fosse uma passeata de barrigudos de 
cuecas, com o controle remoto numa mão e a latinha de cerveja na outra, 
arrotando e coçando as partes, como forma de protesto contra a falta de 
reconhecimento da dignidade masculina. E, mesmo assim, seria um mal 
menor que a “Marcha das Vadias”, porque a dignidade feminina é 
infinitamente maior que a masculina. Sua negação – em grau menor pelos 
donjuans de porta de botequim e em dose máxima pelas vadias urrantes – é
 um atentado maior que a da masculina, por ser mais digno o alvo do 
atentado.
Costumo dizer que o feminismo tirou a mulher do pedestal e a arrastou
 para o açougue; as “vadias”, querendo ser carcaças de gambás 
atropelados, são apenas a versão já farsesca do mesmo erro fundamental 
de querer fazer a mulher descer ao nível do homem, achando que isto 
seria uma forma de melhorar sua situação social. A imbecilidade machista
 deve ser combatida pela afirmação da dignidade e da capacidade 
feminina, não pela imitação do pior do sexo masculino.
Nem alcatra, nem gambá: mulher.
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