quarta-feira, 18 de julho de 2012

As Gêmeas




Estava tomando café em pé quando viu passando, na calçada, a pequena que começara a namorar na véspera. Largou a xícara, largou tudo e atirou-se no seu encalço, quase como um maluco. Tropeça num cavalheiro, esbarra numa senhora, e vai alcançar a menina pouco adiante. Caminha lado a lado e faz a alegre pergunta:

- Como vai essa figurinha?

A garota, que era realmente linda, estaca por um segundo. Olha-o, de alto a baixo, com surpresa e susto. Em seguida, vira o rosto e continua andando. Osmar, desconcertado, apressa o passo e a interroga "Mas que é isso? Não me reconheces mais?". Nenhuma resposta. E ele; num espanto misturado de irritação: "Que máscara é essa?". Silêncio, ainda Nessa altura dos acontecimentos, a menina só falta correr.

Então, Osmar perde a paciência; segura o braço da fulana: "Olha aqui, Marilena " Ao ouvir o nome, ela pára: vira-se para ele, mais cordial, quase alegre; encara-o confiante:

- Já vi tudo!
- Tudo como?

Ela parece aliviada.

- Eu não sou Marilena, Marilena é minha irmã.

Pasmo, exclama: "Meu Deus do céu! Que coisa!" A garota sorri divertida com a confusão:

- Eu sou Iara.

Osmar faz a pergunta desnecessária:

- E são gêmeas?

Na véspera, conhecera Marilena. Fora um desses flertes deliciosíssimos de ônibus. Viajaram em pé, lado a lado, cada qual pendurado na sua argola. Quando saltaram, no mesmo poste, era evidente que a simpatia era recíproca e irresistível. Marilena deu-lhe telefone, endereço, tudo. Só não lhe dissera por falta de oportunidade que tinha uma irmã gêmea, Iara. Quando se encontraram mais tarde, Osmar contou o episódio e dramatizou:

- Sabe que eu estou com a minha cara no chão? Besta! Semelhança espantosa! Assim nunca vi, puxa! Como é que pode hein?

Sentaram-se num banco de jardim. E, então, Marilena contou que o equivoco de Osmar não seria o primeiro, nem o último. Mesmo amigos e até parentes incidiam por vezes na mesma confusão. A única coisa que diferia entre as duas era um bracelete que Iara usava e a outra não. Ainda na sua impressão profunda, ele observa:

- Irmãs assim, gêmeas, são muito amigas, não são?

Marilena parece vacilar:

- Depende.

Ele insiste: "E vocês?". Marilena resiste:

- Você está querendo saber muito. Vamos mudar de assunto que é melhor. 

O DRAMA

Desde o primeiro momento, Osmar julgou descobrir em Marilena a índole, a vocação, o destino da esposa. Uma semana depois, avisava em casa e no emprego, em toda parte: "Vou ficar noivo! Vou me casar!". No fim de quinze dias começa a freqüentar a casa de Marilena. Mais tarde, ou seja, dois meses, e fica noivo. Os amigos batiam-lhe nas costas:

- Que rapidez, que pressa! Bateste todos os recordes mundiais de velocidade!

Pilheriava:

- O negócio, aqui, é a jato!

Passava todos os seus momentos de folga na casa da noiva. E, apesar de ver as duas irmãs diariamente, continuava fazendo o mesmo espanto: "Como é possível, meu Deus, duas criaturas tão parecidas!". E quando saia com Marilena e Iara, fazia de próprio o comentário jocoso: "Eu me sinto uma espécie de noivo de duas!". 

Um dia, porém, Marilena pôs-lhe a mão no braço:

- vou te pedir um favor Não brinca mais assim. É um favor. Não brinca mais assim. É um favor que te peço.

- Por quê?

E ela:

- Se tu soubesses como me irrita essa semelhança' Estou cansada, farta, de ser tão parecida com Iara! - Pausa e acrescenta, com surdo sofrimento: - Eu não queria me parecer com ninguém! Com mulher nenhuma!


NOVO PEDIDO

Dai a dias, Marilena faz novo pedido: "Não quero que você tenha muita intimidade com Iara, sim?". Osmar, que achava abominável qualquer briga entre parentes, sobretudo entre irmãos, tomou um choque. Pigarreia e indaga: "Mas vocês não são tão amigas?". Marilena crispa-se diante dele: "Amigas, nós? Nunca!". Pela primeira vez, admite:

- Nunca brigamos, nunca discutimos e ela me trata até muito bem. Mas me odeia, ouviu? Eu sei que ela me odeia!

Agarrada ao noivo, Marilena fala do sentimento turvo e constante que não se traduz em atos, em palavras. Explica: "Iara nunca me disse nada, nada, mas...". Osmar pigarreia, assombrado: "Acho que você está exagerando!". Fosse como fosse, ele procurou, com o máximo de tato, discrição, afastar-se da cunhada. Mas não conseguia acreditar que Iara, tão cordial com todos e amorosíssima com Marilena, pudesse odiar alguém e muito menos a irmã. Por essa época, Iara apanhou uma gripe muito forte, quase uma pneumonia, venceu a crise, é certo; mas sua convalescença constituiu um novo problema. Depauperada, numa tristeza continua que a calava, só falava em morrer. O médico da família coça a cabeça: "Esgotamento. O golpe é ir para fora". O casamento de Marilena estava marcado para próximo. A mãe pergunta: "Não assiste ao casamento?". Iara responde:

- Não se incomode, mamãe, que eu não vou fazer falta. E se eu ficar aqui não sei, não; acho que vou acabar fazendo uma bobagem!
A família não teve outro remédio senão mandá-la pata a fazenda de um tio em Mato Grosso. Muito enfraquecida, Iara suspirou:

- Ótimo que seja em Mato Grosso. Quanto mais longe melhor.

BODAS

Quando o avião que a levava partiu, Marilena vira-se para o noivo: "Graças, meu Deus, graças!". Essa alegria pareceu a Osmar cruel, quase cínica. Era, porém, evidente que a ausência da outra a fazia felicíssima: "Agora, sim", dizia, "agora eu sei que não me acontecerá nada!". E, de fato, um mês depois casavam-se no civil e no religioso. Como presente de casamento, haviam ganho uma pequena casa, lírica e nupcial, em Lins de Vasconcelos. Ás dez horas da noite, deixam a casa dos pais da noiva e vão para a nova residência. Estão solitários como Adão e Eva. Ela, transfigurada, avisa: "Depois te chamo!". Entra no quarto e, ainda de noiva, fecha a porta atrás de si. Do lado de fora, ele espera, fumando, impaciente. Quinze minutos depois, bate. De dentro, vem a resposta: "Já vai". Mais quinze minutos e Marilena entreabre: "Pode vir, meu bem". Horas depois, quando já amanhecia, ele, no seu deslumbramento, passa a mão no braço da pequena. Súbito, senta-se na cama. Balbucia, apavorado: "O bracelete!". Ela responde, muito doce:

- Eu não sou Marilena, eu sou Iara.

Fora de si, ele se levanta, procura debaixo da cama, dos móveis; derruba uma cadeira; e, no meio do quarto, olha em torno, sem compreender. Então, Iara aponta: "Ali!". Como um louco, ele corre ao guarda-vestidos; num uivo abre as duas portas. Mas recua, numa histeria pavorosa. Lá de dentro, vem sobre ele o cadáver de Marilena, vestido de noiva. Na cama, Iara está acendendo um cigarro americano.

sábado, 14 de julho de 2012

Eles, os medíocres





Quem, calado, abomina
Os fazeres do homem
Medíocre que parte para
A luta e leva no rosto
A poeira do chão,
Sabe que o que é
Ser maior de espírito
Contra míseros corvos
Que usurpam eternidade.
Badou percorreu casas,
Adentrou mulheres,
Violou virgens pelos quatro
Cantos da vida eterna:
Amém!

O Inferno Lírico de Badou Sarcass X







Eu, Badou Sarcass, anarquicamente único,
Religiosamente ateu...
Vivo como se estivesse às vésperas da morte,
Ou talvez, da vida plena.
Eu, amante do demônio,
No qual não acredito nem um pouco.

Gambás e alcatras




Gambá é um bicho que é muito atropelado. Não é difícil entender o porquê, quando se os vê atravessando a estrada, rebolando e jogando aquele rabão feio e pelado de um lado para o outro. Carcaça de gambá atropelado é uma dessas coisas que só urubu pode achar apetitoso, mas que são frequentes o suficiente para que quem viaja muito sempre as veja.

Em ambientes controlados, refrigerados e limpos, vemos outro tipo de carcaça animal: belas peças de alcatra e picanha, penduradas nas vitrines dos açougues. Tão bonitas que acho que o urubu iria demorar para entender que é para comer.

O problema começa quando o tratamento dado às alcatras começa a ser estendido a seres humanos, como fazem os muitos homens que tratam as mulheres como coisa, como peças de carne expostas em açougues. É um problema sério, que só pode ser combatido fazendo com que eles percebam que elas são muito mais que peças de carne. Reafirmando a sempre existente dignidade feminina que eles negam.

Infelizmente, há quem ache que a solução é passar de alcatra a carcaça de gambá atropelado. Como triste exemplo, sábado teremos uma passeata de carcaças de gambá em Curitiba, quando a edição local da “Marcha das Vadias” vai tentar desfazer o que resta de respeito à dignidade feminina, com direito a senhoras seminuas, com frases de efeito rabiscadas pelo corpo, berrando como almas penadas e assustando as crianças, os cachorros e mesmo algum gambá ou urubu perdido na cidade.

O equivalente masculino talvez fosse uma passeata de barrigudos de cuecas, com o controle remoto numa mão e a latinha de cerveja na outra, arrotando e coçando as partes, como forma de protesto contra a falta de reconhecimento da dignidade masculina. E, mesmo assim, seria um mal menor que a “Marcha das Vadias”, porque a dignidade feminina é infinitamente maior que a masculina. Sua negação – em grau menor pelos donjuans de porta de botequim e em dose máxima pelas vadias urrantes – é um atentado maior que a da masculina, por ser mais digno o alvo do atentado.

Costumo dizer que o feminismo tirou a mulher do pedestal e a arrastou para o açougue; as “vadias”, querendo ser carcaças de gambás atropelados, são apenas a versão já farsesca do mesmo erro fundamental de querer fazer a mulher descer ao nível do homem, achando que isto seria uma forma de melhorar sua situação social. A imbecilidade machista deve ser combatida pela afirmação da dignidade e da capacidade feminina, não pela imitação do pior do sexo masculino.

Nem alcatra, nem gambá: mulher.

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