Por Olavo de Carvalho
No show de ignorância dado à Folha de S. Paulo, em
entrevista, pelos líderes da FLIP (Festa Literária Internacional de
Paraty), recém encerrada, a estrela maior foi sem dúvida o sr. Milton
Hatoum, que, incapaz de lembrar o nome de um só escritor brasileiro
importante, que fosse de direita, ainda completou a performance com esta
maravilha: "Diziam que Nelson Rodrigues era, mas discordo. Era
provocador, irônico, e na ditadura lutou para libertar presos."
De um lado, é impossível, a quem quer que tenha lido o cronista carioca,
ignorar seu anticomunismo intransigente, seu horror aos "padres
progressistas", seu apoio ao governo militar e até o orgulho com que ele
se qualificava publicamente de "reacionário".
É óbvio que o sr. Hatoum só conheceu o pensamento de Nelson Rodrigues
por ouvir falar, e ainda assim com muita cera nos ouvidos. Em segundo
lugar, socorrer e proteger presos e perseguidos políticos durante a
ditadura foi uma das ocupações mais constantes dos intelectuais de
direita, entre os quais Adonias Filho, Josué Montello, Antônio Olinto,
Gilberto Freyre e Paulo Mercadante. Para cúmulo de ironia, o mais
célebre e aguerrido defensor de presos políticos naquela época foi o
advogado Heráclito Sobral Pinto, um católico ultraconservador que
confessava e comungava todos os dias e, quando não estava tirando gente
da cadeia, estava escrevendo furiosas diatribes contra o Concílio
Vaticano II.
Hoje seria chamado de "fundamentalista" e jogado no lixo com a multidão
dos outros "ninguéns".
O que nunca se viu no mundo foi o beautiful people comunista correr em
massa para estender a mão a perseguidos da ditadura soviética, chinesa,
húngara, polonesa, romena ou cubana. Ao contrário, sempre que aparecia
algum foragido revelando as torturas e padecimentos sem fim nos cárceres
comunistas, a gangue se reunia, não raro em escala mundial, para
achincalhá-lo como "agente do imperialismo".
Se o sr. Hatoum não conhece nem Nelson Rodrigues, seria loucura esperar
que soubesse algo, por exemplo, do caso Kravchenco, em que toda a
intelectualidade esquerdista se juntou para desmoralizar o
ex-funcionário soviético que denunciava os horrores do Gulag. Kravchenco
reuniu testemunhas, provou o que dizia e venceu um processo judicial
contra toda a plêiade dos bem-pensantes.
Soljenítsin, quando esteve nos Estados Unidos, contou que os dissidentes
soviéticos nunca receberam a menor ajuda da elite esquerdista
americana, mas apenas de sindicatos de trabalhadores (na época,
acentuadamente anticomunistas).
Quando esteve no Brasil, o pastor Richard Wurmbrand, homem que por
dezesseis anos sofrera torturas e maus tratos numa prisão romena
(confirmados em público por uma comissão médica da ONU), a mídia
esquerdista o tratou como se fosse um demônio, um conspirador fascista.
A mentalidade esquerdista intoxica-se de mitos difamatórios de maneira a
não cair jamais na tentação de ver no adversário um rosto humano. Até
hoje os quatrocentos guerrilheiros mortos na ditadura, muitos deles
caídos de armas na mão, merecem mais lágrimas do que os cem milhões de
civis desarmados que eles, como membros do movimento comunista
internacional, ajudaram a matar.
Até hoje os que nadam em indenizações milionárias como prêmio da sua
cumplicidade com os regimes mais bárbaros e genocidas não consentem em
dizer uma só palavra de conforto às vítimas da guerrilha brasileira,
dando por pressuposto que a condição de ser humano é monopólio da
esquerda, que aqueles que a esquerda matou, mesmo transeuntes inocentes,
não passam de cachorros loucos abatidos pelo bem da saúde pública. Para
o sr. Hatoum, basta um sinal de bondade na pessoa de Nélson Rodrigues,
para produzir a conclusão automática e infalível: Não, ele não pode ter
sido de direita.
Nunca li os romances do sr. Hatoum, mas até admito, como hipótese
extrema, que um idiota possa escrever um bom livro de ficção. O que é
inadmissível é aceitar como "intelectual", como formador de opinião, um
sujeito que formou a sua na base do puro zunzum e sai por aí arrotando
julgamentos sobre o que desconhece.
Hoje, esse tipo de gente domina todo o mercado editorial, as
universidades e a mídia cultural, mas um dia a juventude brasileira,
cansada de ser ludibriada por esses farsantes, adquirirá cultura por
conta própria (espero sinceramente ajudá-la nisso) e não se curvará
mais às opiniões recebidas. Submeterá seus gurus aos testes mais duros e
chutará o traseiro daqueles que forem desmascarados como ignorantes
palpiteiros a serviço de interesses mafiosos e partidários.
Garanto que, entre meus alunos, há pelo menos cem que são
incomparavelmente superiores a eles em inteligência e conhecimentos. O
renascimento cultural do Brasil vem-se preparando no silêncio e na
modéstia do trabalho sério, do esforço genuíno, na paciente aquisição
dos instrumentos da vida intelectual superior.
Quando esses jovens ocuparem o espaço que merecem, não haverá mais lugar
para os picaretas de luxo, para os comedores insaciáveis de verbas
públicas, para os apadrinhados de um governo que vive da mentira e da
corrupção. Quando soar a hora, cada um destes últimos, desprovido da interproteção mafiosa, será julgado no tribunal da competência e da honradez intelectual e, muito previsivelmente,
jogado às trevas do anonimato, de onde nunca deveria ter saído.
Olavo de Carvalho é ensaísta, jornalista e professor de Filosofia
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