quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

O crescimento da cristofobia


Ayaan Hirsi Ali publicou na revista Newsweek, de 13 de fevereiro passado, artigo fartamente documentado sobre a guerra que os países islâmicos estão desencadeando contra os cristãos, atingindo sua liberdade de consciência,  proibindo-os de manifestarem sua fé e assassinando quem a professa individualmente ou mediante atentados a Igrejas ou locais onde se reúnam.
        
Lembra que ao menos 24 cristãos foram mortos pelo exército egípcio, em 9 de outubro de 2011; que, no Cairo, no dia 5 de março do mesmo ano, uma igreja foi incendiada, com inúmeros mortos; que, na Nigéria, no dia de Natal de 2011, dezenas de cristãos foram assassinados ou feridos, e que no Paquistão, na Índia e em outros países de minoria cristã a perseguição contra os que acreditam em Cristo tem crescido consideravelmente. Declara a autora que “os ataques terroristas contra cristãos na África, Oriente próximo e Ásia cresceram 309% de 2003 a 2010”. E conclui seu artigo afirmando que, no Ocidente, “em vez de criarem-se histórias fantasiosas sobre uma pretensa “islamofobia”, deveriam tomar uma posição real contra a “Cristofobia”, que principia a se infestar no mundo islâmico. “Tolerância é para todos, exceto para os intolerantes”.
        
Entre as sugestões que apresenta, está o Ocidente condicionar seu auxílio humanitário, social e econômico a que a tolerância para com os que professam a fé cristã seja também respeitada, como se respeita, na maioria dos países ocidentais a fé islâmica.
Entendo ser o Brasil, neste particular, um país modelo. Respeitamos todos os credos, inclusive aqueles que negam todos os credos, pois a liberdade de expressão é cláusula pétrea na nossa Constituição.
        
Ocorre, todavia, que as notícias sobre esta “Cristofobia islâmica” são desconhecidas no país, com notas reduzidas sobre atentados contra os cristãos, nos principais jornais que aqui circulam. Um homossexual agredido é manchete de qualquer jornal brasileiro. Já a morte de dezenas de cristãos, em virtude de atos de violência planejados, como expressão de anticristianismo, é solenemente ignorada pela imprensa.
        
Quando da Hégira, em 622, Maomé lançou o movimento islâmico, que levou à invasão da Europa em 711 com a intenção de eliminar todos os infiéis ao profeta de Alá. Até sua expulsão de Granada — creio que em 1492 — os mulçumanos europeus foram se adaptando à convivência com os cristãos, sendo que a filosofia árabe e católica dos séculos 12 e 13 convergiram, fascinantemente. Filósofos de expressão, como Santo Tomas de Aquino, Bernardo de Claraval, Abelardo, Avicena, Averróes, Alfa-rabi, demonstraram a possibilidade de convivência entre credos e culturas diferentes.
        
Infelizmente, aquilo que se considerava ultrapassado reaparece em atos terroristas, que não dignificam a natureza humana e separam os homens, que deveriam unir-se na busca de um mundo melhor. Creio que a solução apresentada por Ayaan Hirsi Ali é a melhor forma de combater preconceitos, perseguições e atentados terroristas, ou seja, condicionar ajuda, até mesmo humanitária, ao respeito a todos os credos religiosos (ou à falta deles), como forma de convivência pacífica entre os homens. É a melhor forma de não se incubarem ovos de serpentes, prodigalizando auxílios que possam se voltar contra os benfeitores.

Ives Gandra da Silva Martins é jurista. – ivesgandra@gandramartins.adv.br

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

O Fio de Cabelo de uma Mulher




Dias atrás escrevi que não me preocupo com a África nem com as baleias nem com você. Pânico na bancada da classe média...

Muita gente pergunta o que eu queria dizer com isso. Uma pessoa se indignou porque eu tive a ousadia de dizer que ele não era objeto de minha preocupação.

Se ele me lê, pensa ele, devo me preocupar com ele. Ele, ele, ele. Não. Sou indiferente a sua necessidade de autoestima.

Só levo a sério um argumento como este (quem me lê deve ser objeto de minha atenção) se nele estiver em jogo as leis de mercado e olhe lá. Mas pessoas indignadas normalmente acham que seus sentimentos morais são infinitamente mais caros do que as leis de mercado. Eu, de minha parte, sei que minha fisiologia é parte das leis de mercado.

Assim como a prostituta é a primeira e a mais sublime vocação de toda mulher, afirmo: sou lido, logo existo. Saber que eu tenho um preço é uma das formas mais belas de libertação que conheço.

Mas a queixa de nosso mal-amado está longe disso. É a queixa de um indignado com a maturidade.

Se Freud já dizia que pessoas adultas são uma raridade, hoje ficaria chocado com o fato de que infantilidade se tornou um direito de todo cidadão.

A maior desgraça da democracia, dizia Nelson Rodrigues, é que ela traz à tona a força numérica dos idiotas, que são a maioria da humanidade. Aceitar a idade adulta hoje em dia é tão raro como a virtude de uma mulher que bebeu vinho demais no jantar.

Aliás, devo pedir perdão às mulheres "fáceis", por compará-las a tão miserável condição: a recusa da maturidade.

Ainda bem que nem todo mundo que me lê ou me conhece depende de mim para se sentir amado, porque, antes de tudo, amo muito pouco. E, com os anos, menos ainda. O deserto pode ser uma graça.

Dou hoje uma indicação para os adultos que me leem. "Adulto" aqui, como sempre, não tem a ver com a data de nascimento no RG. Já vi pessoas muito jovens serem capazes de suportar "a hostilidade primitiva do mundo" ("O Mito de Sísifo", outro livro de Camus) sem reclamar da gloriosa indiferença do Sol.

Assista à bela e econômica montagem do "O Estrangeiro", uma adaptação feita pelo dinamarquês Morten Kirkskov do livro com o mesmo nome do francês Albert Camus. Ela está em cartaz, até 4/3, no Teatro Cacilda Becker, com Guilherme Leme e direção de Vera Holtz. Uma pérola discreta, como deve ser tudo o que tem valor.

O estrangeiro da história, Meursault, vive em Argel, Argélia (país de Camus). Ele mata um árabe e é preso. Dias antes, sua mãe morrera. Ele não chorou no enterro.

Para muita gente, assim como para o promotor que condena Meursault, não chorar na morte da mãe é prova cabal de "ter o crime no coração" (antes mesmo de ele matar um "homem qualquer"), e é, portanto, o ato de um niilista.

Por isso, o promotor diz que Meursault tornou possível o parricídio a ser julgado no dia seguinte, e, por isso mesmo, deveria ser julgado por ambos os crimes. Para o promotor, não chorar a morte da mãe é abrir as portas para o parricídio.

O fato de, no dia seguinte à morte da sua mãe, ele ter se deliciado, na praia, nos braços de uma mulher, Marie, cheia de amor para dar, era evidência de sua desumanidade. Pior: fora ao cinema com ela para ver uma comédia.

Vê-se que Camus era um apreciador do sexo frágil (coisa cada vez mais rara) na forma como descreve Marie, linda, cozinhando sua comida, de vestido solto e listrado, enchendo sua vida de desejo, com os cabelos caindo nos ombros. Marie usava aquele tipo de vestido de verão solto, que permitia Meursault tocar, como se fora seu dono, o calor úmido entre suas pernas.

Mas o promotor está enganado. Chorar no enterro da mãe pode ser tão falso como as indignações de hoje em dia.

Como diz Meursault ao padre: "Sua religião não vale um fio de cabelo de uma mulher". Em meio à "doce indiferença do mundo", o desejo por uma mulher pode ser mais difícil do que chorar a morte de uma mãe "distante".

Concluo, com uma ponta de dor, que sou da raça de Meursault. Prefiro a hostilidade primitiva do mundo e mulheres fáceis com vestidos de verão.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Fábula dos Dois Leões




Diz que eram dois leões que fugiram do Jardim Zoológico. Na hora da fuga cada um tomou um rumo, para despistar os perseguidores. Um dos leões foi para as matas da Tijuca e outro foi para o centro da cidade. Procuraram os leões de todo jeito mas ninguém encontrou. Tinham sumido, que nem o leite.

Vai daí, depois de uma semana, para surpresa geral, o leão que voltou foi justamente o que fugira para as matas da Tijuca. Voltou magro, faminto e alquebrado. Foi preciso pedir a um deputado do PTB que arranjasse vaga para ele no Jardim Zoológico outra vez, porque ninguém via vantagem em reintegrar um leão tão carcomido assim. E, como deputado do PTB arranja sempre colocação para quem não interessa colocar, o leão foi reconduzido à sua jaula.

Passaram-se oito meses e ninguém mais se lembrava do leão que fugira para o centro da cidade quando, lá um dia, o bruto foi recapturado. Voltou para o Jardim Zoológico gordo, sadio, vendendo saúde. Apresentava aquele ar próspero do Augusto Frederico Schmidt que, para certas coisas, também é leão.

Mal ficaram juntos de novo, o leão que fugira para as florestas da Tijuca disse pro coleguinha: — Puxa, rapaz, como é que você conseguiu ficar na cidade esse tempo todo e ainda voltar com essa saúde? Eu, que fugi para as matas da Tijuca, tive que pedir arreglo, porque quase não encontrava o que comer, como é então que você... vá, diz como foi.

O outro leão então explicou: — Eu meti os peitos e fui me esconder numa repartição pública. Cada dia eu comia um funcionário e ninguém dava por falta dele.

  E por que voltou pra cá? Tinham acabado os funcionários?

— Nada disso. O que não acaba no Brasil é funcionário público. É que eu cometi um erro gravíssimo. Comi o diretor, idem um chefe de seção, funcionários diversos, ninguém dava por falta. No dia em que eu comi o cara que servia o cafezinho... me apanharam.


Texto extraído do livro “Primo Altamirando e Elas”, Editora do Autor – Rio de Janeiro, 1961, pág. 153.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Novas considerações sobre o racismo. Ou: Como Heraldo Pereira ousa ser negro e livre? Isso é imperdoável aos racistas de segundo grau



Por que alguém se considera no direito de tachar um dos jornalistas mais talentosos e mais bem-preparados de sua geração de “negro de alma branca” e de afirmar que ele “não conseguiu revelar nenhum atributo para fazer tanto sucesso, além de ser negro e de origem humilde”, como fez um senhor chamado Paulo Henrique Amorim com Heraldo Pereira? Minhas caras, meus caros, essa história vem de longe. E será preciso apelar aqui à origem de certas idéias, que acabaram definindo alguns paradigmas. Antes que entre propriamente no aspecto mais perverso e quase invisível do racismo, terei de fazer algumas considerações.

Vocês conhecem bem os ataques de que sou alvo porque me oponho, por exemplo, à política de cotas raciais. Alguns militantes da causa, brancos e negros, acusam-me, por isso, de “racista”. Não vou debater cotas agora porque desviaria este post de seu propósito. Já escrevi muito a respeito. Pretendo abordar um aspecto do racismo que a muitos passa despercebido porque praticado, ou cultivado, por supostos porta-vozes de causas consideradas “progressistas” ou “de esquerda”, como queiram.

Nesta madrugada, publiquei um longo post sobre o livro “Aguanten Los K”, do jornalista argentino Carlos M. Reymundo Roberts. Recomendo o artigo a quem não o tenha lido. Roberts trata justamente das hordas de partidários do “kirchnerismo” que atuam nos blogs, no Twitter e até nas rádios, para reproduzir as verdades eternas do governismo e tentar destruir a reputação daqueles considerados “inimigos”. Na Argentina como no Brasil, esses vagabundos são alimentados por dinheiro público e obedecem a um comando partidário. Lá, são “Los K”; aqui, são “os petralhas”. Tentam dividir o mundo em duas metades: a boa, “progressista e de esquerda” (eles), e a má, “reacionária e de direita” (os outros).

Outra referência bibliográfica importante nesse debate é “O Fascismo de Esquerda”, do jornalista americano Jonah Goldberg. O autor procede a uma breve reconstituição histórica de alguns valores tidos nos EUA como “liberais” (lá, essa palavra quer dizer “à esquerda”) e evidencia o seu parentesco com teses e proposta do fascismo. Nos melhores momentos do livro, demonstra como as propostas mais autoritárias, discriminatórias mesmo!, podem ser consideradas verdadeiros poemas humanistas, desde que abraçadas por “liberais”, e como valores ligados aos direitos fundamentais do homem podem ser tidos como “autoritários” se defendidos por conservadores. A síntese é esta: os ditos “progressistas” serão sempre progressistas, mesmo quando reacionários; e os ditos “reacionários” serão sempre reacionários, mesmo quando progressistas. As esquerdas, em suma, mundo afora, se tornam “donas do humanismo”.

Atenção, meus queridos! Nenhum autoritarismo, por mais deletério e estúpido que seja, é tão estúpido e deletério quanto o das esquerdas e de seus apaniguados. É a história que me dá razão. O despotismo que se instala em nome da liberdade do povo é duplamente perverso porque pratica todas as violências com as quais prometeu acabar e ainda destrói a esperança.

Todas as ditaduras são asquerosas, de direita ou de esquerda. Mas as de esquerda são mais longevas e matam muito mais — incomparavelmente mais — porque seus assassinos falam em nome do bem da humanidade. Hitler era um facínora vagabundo, um recalcado homicida, que falava claramente em nome de um grupo, de uma “raça”. Já o seu antípoda complementar, Stálin, era tido como arauto de uma “nova humanidade”. Com razão e para o bem da civilização, os partidários do bigodinho assassino são reprimidos mundo afora; sem razão e para o mal da civilização, os admiradores do bigodão assassino ainda estão por aí, pautando, muitas vezes, o “debate de resistência”. Não é preciso ir longe. Integrantes dos governos petistas que tentaram instalar uma ditadura stalinista no Brasil, Dilma inclusive, dizem hoje se orgulhar da luta pela “democracia”… É uma mentira grotesca. Muito bem! E o que isso tudo tem a ver com Heraldo Pereira?


Vamos ao centro do racismo
 
É possível estabelecer a genealogia da descriminação racial nos vários países, inclusive no Brasil. Por razões específicas, na Europa e na Rússia, por exemplo, ela se voltou contra os judeus; no Brasil, contra os negros; na África subsaariana, contra tribos originalmente rivais — já que a cor da pele não tem importância. Combater a cultura e a prática da discriminação é um imperativo moral e ético. É matéria que diz respeito à civilização. A causa não é propriedade privada de uma ideologia, de um partido político ou de ONGs, movimentos sociais e seus associados.

O racismo bronco pode ser enfrentado com clareza porque visível. Os estúpidos, os bucéfalos, que saem por aí a vociferar o seu ódio contra negros, por exemplo, praticam o que costumo chamar de “racismo de primeiro grau”. São crus, desprovidos de qualquer ambição intelectual, mal escondem o seu recalque: ou acham que um negro bem-sucedido está a ocupar um lugar que lhes caberia por direito natural ou entendem que a presença do “outro” ameaça o seu próprio status. Merecem ser duramente enfrentados nas ruas, nas escolas, nas empresas, nos tribunais. Não, não acredito que o caminho sejam as cotas, mas, reitero, não entro nesse mérito agora.


O racismo de segundo grau
 
Já o racismo de segundo grau é coisa mais complicada. Embora seus cultivadores se digam inimigos da discriminação e aliados de todos os grupos que lutam pelos direitos das minorias, não compreendem — e, no fundo, não aceitam — que um negro possa ser bem-sucedido em sua profissão A MENOS QUE CARREGUE AS MESMAS BANDEIRAS QUE ELES DIZEM CARREGAR!

Eis, então, que um profissional com as qualidades de Heraldo Pereira os ofende gravemente. Sim, ele é negro. Sim, ele tem “uma origem humilde”. Ocorre que ele chega ao topo de sua profissão mesmo no país em que há muitos racistas broncos e em que a maior discriminação ainda é a de origem social. E chegou lá sem fazer o gênero do oprimido reivindicador, sem achar que o lugar lhe pertencia por justiça histórica, porque, afinal, seus avós teriam sido escravos dos avós dos brancos com os quais ele competiu ou que a luta de classes lhe roubou oportunidades.

Sabem o que queriam os “racistas de segundo grau”, essas almas caridosas que adoram defender minorias? Que Heraldo Pereira estivesse na Globo, sim, mas com o esfregão na mão e muito discurso contra o racismo na cabeça. Aí, então, eles poderiam dizer: “Vejam, senhores!, aquele negro! Por que ele não está na bancada do Jornal Nacional?” Ocorre que Heraldo ESTÁ na bancada do Jornal Nacional. E sem pedir licença a ninguém. Enquanto alguns negros, brancos, amarelos ou vermelhos choramingavam, o jornalista Heraldo Pereira foi estudar direito na Universidade de Brasília. Enquanto alguns se encarregavam de medir o seu “teor de negritude militante”, ele foi fazer mestrado — a sua dissertação: “Direito Constitucional: Desvios do Constituinte Derivado na Alteração da Norma Constitucional”.

Quando se classifica alguém como Heraldo de “negro de alma branca” — e já ouvi cretinos a dizer a mesma coisa sobre Barack Obama porque também insatisfeitos com a sua pouca disposição para o ódio racial —, o que se pretende, na verdade, é lhe impor uma pauta. Atenção para isto:
 
- por ser negro, ele seria menos livre do que um branco, por exemplo, porque estaria obrigado a aderir a uma determinada pauta;
- por ser negro, ele teria menos escolhas, estando condenado a fazer um determinado discurso que os “donos das causas” consideram progressista;
- ao nascer, portanto, negro ele já nasceria escravo de uma causa.

Heraldo os ofende porque diz, com todas as letras e com sua brilhante trajetória profissional: “Sou o que quero ser, o que decidi ser, o que estudei para ser, o que lutei para ser. Eu escolho, não sou escolhido! Sou senhor da minha vida, não um serviçal daqueles que dizem querer me libertar”. Heraldo os ofende porque não precisa que brancos bem-pensantes pensem por ele. E há ainda uma ofensa adicional: não é reconhecido como um “progressista com carteirinha do partido”.

Que pena os racistas de segundo grau não poderem passar a mão na cabeça de Heraldo Pereira, condoídos com a sua condição de vítima não é!? Em vez disso, quem está no topo é Heraldo. Os que gostariam de sentir dele aquela pena militante só caminham para a lata de lixo do racismo de segundo grau.


Ladrões de alma
 
Caminhando para o encerramento, noto ainda que a expressão “negro de alma branca” pretende roubar do alvo da ofensa a sua individualidade, de modo a transformá-lo numa monstruosidade moral, sem lugar. Por negro, Heraldo seria sempre um estranho entre os brancos. Por ter a alma branca, sendo negro, tentaria forjar uma identidade que não é a sua. Não é difícil concluir que este ser, então, não teria lugar nem entre os brancos nem entre os negros.

Esse caso, meus caros, expõe as entranhas do pior lixo racista, que é aquele praticado pelos ditos “progressistas”. Como é mesmo?
 
“Nenhum autoritarismo, por mais deletério e estúpido que seja, é tão estúpido e deletério quanto o das esquerdas e de seus apaniguados. É a história que me dá razão. O despotismo que se instala em nome da liberdade do povo é duplamente perverso porque pratica todas as violências com as quais prometeu acabar e ainda destrói a esperança.”
Heraldo Pereira é um homem livre — livre, inclusive, da agenda que queriam lhe impor. E isso lhes parece imperdoável.
PS - Ah, sim! Preestem atenção ao silêncio ensurdecedor dos ditos “progressistas”… 

Por Reinaldo Azevedo

A Filosofia e seu Inverso

Uma excelente aula do professor Olavo de Carvalho:

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Badou às portas do paraíso

As Portas do Paraíso, Lozenzo Ghiberti (séc. XV)
"As palavras do poeta volteiam incessantemente em redor das portas do paraíso e batem implorando a imortalidade."
Goethe

No caos em que choro
Meus deuses de outrora.
Ao distante céu imploro,
Rogo àquela musa ignara
Que pelos ares abandone
Um ou outro verso infame
Que faça, em Badou, o milagre
De enterrar a poesia certa,
Ainda que ele nunca espere
A porta do paraíso aberta.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

A lição de uma Santa



Por Otto Maria Carpeaux 


HÁ ALGUNS anos um dos meus amigos entrou numa livraria católica e pediu um livro sobre Santa Teresa. A jovem que o atendeu trouxe um monte de livros sobre Santa Teresinha do Menino Jesus. "Mas não, eu queria alguma coisa sobre a grande Santa Teresa de Ávila!" A jovem levantou os ombros e respondeu: "Sinto muito, mas a grande Santa Teresa já não é moderna."

Sem dúvida, a "grande" Santa Teresa teria rido desta anedota; a visionária tinha, como verdadeira castelhana, o humor superior da sua raça e a inteligência prática. A invasão do "moderno" nas regiões da eternidade, sintoma tão grave aos nossos olhos, teria sido para a santa um novo impulso de atividade. São os santos que transformam o mundo.

Nada mais interessante que observar as coisas que são tomadas a sério pelos nossos contemporâneos, se eles são ainda capazes de levar alguma coisa verdadeiramente a sério. Achar-se-á que os idealistas e os espiritualistas mais sublimes se apavoram em face das crises econômicas, das revoluções sociais e das batalhas militares, como se isso tivesse alguma importância. Ah! como o materialismo venceu até os seus inimigos mais rebeldes! Quanto a mim, estou convencido que os santos são o verdadeiro sinal dos tempos, muito mais importantes que a distribuição das forças diplomáticas e econômicas ou as novíssimas invenções da técnica militar. Todos esses que hoje se agitam tumultuosamente estarão mortos em breve, e nós juntamente com eles. É a morte que dá a esses episódios a sua verdadeira medida. A morte carnal, a decomposição, à qual - maravilhosas lendas da Antiguidade cristã! - a carne dos santos resiste. Somente, é preciso saber o que é um santo.

Escola pública: uma pedagogia de risco



Polemista corajoso, dono de uma corrosiva ironia, o jornalista e escritor Benjamin Costallat (1897-1961) foi um dos mais apreciados cronistas de seu tempo, retratando a sociedade carioca com uma visão quase futurista, que, já nos anos 20, o fazia perceber a favela como uma “cidade dentro da cidade”, chamando a atenção para o apartheid carioca que continua a dar trabalho ao país. Em uma de suas crônicas, intitulada “Ins­trução?” e publicada no Jornal do Brasil em 3 de março de 1927, Costallat chama a atenção para o ensino público da então Capital Federal.

Como sugere a interrogação do título, tratava-se de uma crítica à “instrução pública”, como era chamado, na época, o emergente ensino público no país, em luta com a hegemonia católica na educação. Ainda faltavam cinco anos para que sociólogo Fernando Azevedo (1894-1974) liderasse o Manifesto da Escola Nova, que defendia a educação laica, com mais investimento na instrução pública. Em seu artigo, Benjamin Costallat descreve uma escola pública do Rio de Janeiro, em que as crianças conviviam com entulhos, animais, esgoto a céu aberto, “sem as mais elementares regras de higiene, na promiscuidade sórdida”, como afirma o autor.

Diante desse cenário de sordidez, Costallat clama pelo fechamento das escolas, afirmando que “melhor é ver aumentar o número de brasileiros analfabetos” do que ver “aumentar o número dos porcos brasileiros”. Hoje, passados 84 anos, o Brasil vive uma situação ainda mais trágica do que aquela descrita pelo jornalista carioca. As escolas deixaram de ser chiqueiros físicos – viraram pocilgas morais. Se no seu tempo, os alunos refocilavam na lama, hoje a escola lhes enodoa a alma. Já não se trata de escolher entre o analfabeto e o porquinho; se depender da criminosa pedagogia progressista, ou se fecham as escolas ou o país terá de escolher entre o analfabeto e o bandidinho – devidamente acompanhado da prostitutazinha.


Mandantes de um crime
 
Para quem acha que estou exagerando, recomendo a leitura de uma reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, publicada em 15 de novembro de 2011. A reportagem relata um inacreditável trabalho escolar idealizado por uma professora de português de uma escola estadual da cidade de São Carlos (221.950 habitantes), no interior paulista. A professora pediu a uma aluna de 12 anos que marcasse um encontro com um pedófilo na internet, com o objetivo de analisar as propostas que receberia e, dessa forma, mostrar a todos os alunos o risco que esse tipo de conversa acarreta.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Quem sou eu?

Um poema maravilhoso de Antonin Artaud:
De onde venho?
Sou Antonin Artaud
e basta que eu o diga
Como só eu o sei dizer
e imediatamente
hão de ver meu corpo
atual,
voar em pedaços
e se juntar
sob dez mil aspectos
diversos.
Um novo corpo
no qual nunca mais
poderão esquecer.

Eu, Antonin Artaud, sou meu filho,
meu pai,
minha mãe,
e eu mesmo.
Eu represento Antonin Artaud!
Estou sempre morto.

Mas um vivo morto,
Um morto vivo.
Sou um morto
Sempre vivo.
A tragédia em cena já não me basta.
Quero transportá-la para minha vida.

Eu represento totalmente a minha vida.

Onde as pessoas procuram criar obras
de arte, eu pretendo mostrar o meu
espírito.
Não concebo uma obra de arte
dissociada da vida.

Eu, o senhor Antonin Artaud,
nascido em Marseille
no dia 4 de setembro de 1896,
eu sou Satã e eu sou Deus,
e pouco me importa a Virgem Maria.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

A polícia indefesa




A POLÍCIA é uma das classes que sofrem maior injustiça por parte da sociedade. Lançamos sobre ela a suspeita de ser um parente próximo dos bandidos. Isso é tão errado quanto julgar negros inferiores pela cor ou gays doentes pela sua orientação sexual.
 
Não, não estou negando todo tipo de mazela que afeta a polícia nem fazendo apologia da repressão como pensará o caro inteligentinho de plantão. Aliás, proponho que hoje ele vá brincar no parque, leve preferivelmente um livro do fanático Foucault para a caixa de areia.
 
Partilho do mal-estar típico quando na presença de policiais devido ao monopólio legítimo da violência que eles possuem. Um sentimento de opressão marca nossa relação com a polícia. Mas aqui devemos ir além do senso comum.
 
Acompanhamos a agonia da Bahia e sua greve da Polícia Militar, que corre o risco de se alastrar por outros Estados. Sem dúvida, o governador da Bahia tem razão ao dizer que a liderança do movimento se excedeu. A polícia não pode agir dessa forma (fazer reféns, fechar o centro administrativo).
 
A lei diz que a PM é serviço público militar e, por isso, não pode fazer greve. O que está corretíssimo. Mas não vejo ninguém da "inteligência" ou dos setores organizados da sociedade civil se perguntar por que se reclama tanto dos maus salários dos professores (o que também é verdade) e não se reclama da mesma forma veemente dos maus salários da polícia. É como se tacitamente considerássemos a polícia menos "cidadã" do que nós outros.
 
Quando tem algum problema como esse da greve na Bahia, fala-se "mas o problema é que a polícia ganha mal", mas não vejo nenhum movimento de "repúdio" ao descaso com o qual se trata a classe policial entre nós. Sempre tem alguém para defender drogados, bandidos e invasores da terra alheia, mas não aparece ninguém (nem os artistas da Bahia tampouco) para defender a polícia dos maus-tratos que recebe da sociedade.
 
A polícia é uma função tão nobre quanto médico e professor. Policial tem mulher, marido, filho, adoece como você e eu.
 
Não há sociedade civilizada sem a polícia. Ela guarda o sono, mantém a liberdade, assegura a Justiça dentro da lei, sustenta a democracia. Ignorante é todo aquele que pensa que a polícia seja inimiga da democracia.
 
Na realidade, ela pode ser mais amiga da democracia do que muita gente que diz amar a democracia, mas adora uma quebradeira e uma violência demagógica.
 
Sei bem que os inteligentinhos que não foram brincar no parque (são uns desobedientes) vão dizer que estou fazendo uma imagem idealizada da polícia.
Não estou. Estou apenas dando uma explicação da função social da polícia na manutenção da democracia e da civilização.
 
Pena que as ciências humanas não se ocupem da polícia como objeto do "bem". Pelo contrário, reafirmam a ignorância e o preconceito que temos contra os policiais relacionando-a apenas com "aparelhos repressivos" e não com "aparelhos constitutivos" do convívio civilizado socialmente sustentável.
 
Há sim corrupção, mas a corrupção, além de ser um dado da natureza humana, é também fruto dos maus salários e do descaso social com relação à polícia, além da proximidade física e psicológica com o crime.
 
Se a polícia se corrompe (privatiza sua função de manutenção da ordem via "caixinhas") e professores, não, não é porque professores são incorruptíveis, mas simplesmente porque o "produto" que a polícia entrega para a sociedade é mais concretamente e imediatamente urgente do que a educação.
 
Com isso não estou dizendo que a educação, minha área primeira de atuação, não seja urgente, mas a falta dela demora mais a ser sentida do que a da polícia, daí "paga-se caixinha para o policial", do contrário roubam sua padaria, sua loja, sua casa, sua escola, seu filho, sua mulher, sua vida.
 
Qual o "produto" da polícia? De novo: liberdade dentro da lei, segurança, a possibilidade de você andar na rua, trabalhar, ir ao cinema, jantar fora, dormir, não ser morto, viver em democracia, enfim, a civilização.
 
Defendem-se drogado, bandido, criminoso. É hora de cuidarmos da nossa polícia.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

O Vírus Fascista




NUNCA ACREDITEI na "política". Sempre suspeitei de grande parte dos colegas na faculdade que tinham "consciência política". Muitos deles eram maus alunos que aproveitavam a "missão" de salvar o mundo para matarem as aulas. No cotidiano invisível das relações humanas, manipulavam os colegas para seus fins políticos. Evidentemente que alguns eram pessoas de boa fé.

Falas como "o pensar para o coletivo" sempre me pareceram modos sofisticados de servir a uma certa farsa. O "pensar para o coletivo" adora burocracias e autos-de-fé. Essas palavras são ditas contra quem é mais livre do que a "consciência política" gosta. O espírito coletivo detesta a liberdade. E a liberdade não é necessariamente bela.
Esse sentimento se revelou uma consciência filosófica diante do fascismo. Hoje sei que, como me disse certa feita o filósofo alemão Peter Sloterdijk numa conversa regada a vinho, charutos, cachimbos e um delicioso frango que sua esposa faz, "não se enganem, ninguém venceu o fascismo". E por quê?

O fascismo está inscrito na relação entre o Estado moderno e as tentativas de "construção política da vida correta e do bem-estar social". Por isso sua íntima e bem-sucedida relação com a propaganda para "conscientização das massas". Um exemplo de fascismo é o constrangimento do idioma pelo "politicamente correto".

O fascismo não é uma marca restrita de Mussolini, Fidel Castro, Stalin ou Hitler. Essa é sua versão totalitária. O fascismo é um traço da sociedade moderna na "sua forma de construir um mundo melhor" por meio da máquina do Estado e das políticas públicas que moldam os comportamentos. Explico-me: quando o coletivo age moralmente, ele é sempre fascista. Não importa se seus representantes são eleitos ou impostos diretamente pela força. O poder, às vezes desastroso, criado pela ciência e pela técnica é vastamente investigado pela história. A crescente burocracia do Estado moderno merece a mesma "desconfiança" porque ela parece querer controlar os mínimos detalhes da vida, distribuindo o "Bem". Não sabemos o que é "o Bem", por isso devemos conviver com práticas diversas "dele". Entre a ciência, os tribunais, os sistemas de comunicação e de controle burocrático, a liberdade desaparece quando o Estado se faz "agente moral".

A soma disso nos leva ao controle dos comportamentos. Há sempre uma relação explosiva entre a intenção de eficácia social e o risco fascista. Quando a política vira moral, estamos diante desse risco. O Estado hoje entra na sua vida na velocidade da luz. O próximo passo é entrar na sua alma, na sua cama, no seu amor, na criação dos seus filhos, na sua fé e na sua boca. O governo não deve fazer cartilhas "éticas". Aléxis de Tocqueville no seu magistral livro "Democracia na América", antídoto contra a fé cega na democracia, nos chama a atenção para os "detalhes da liberdade". Defendemos mais a liberdade quando impedimos que o governo entre no cotidiano das pessoas (família, escola, igrejas, sentimentos, virtudes e vícios) do que quando definimos "A Liberdade" em grandes idéias ou políticas públicas.

Quanto mais "cega" é a política para os detalhes da vida, menos perniciosa ela é. A tendência à "tirania dos detalhes" é típica do Estado democrático porque ele se acha um representante legítimo das pessoas (a maioria o elegeu), por isso pensa que deve "definir" o cotidiano delas. Seu modo de legitimação produz sua forma de tirania invisível. A mania pela saúde, pelo bem comum, pela igualdade, pelo novo, pela construção social de hábitos saudáveis de vida, o ódio à religião (competidora do Estado moderno pela educação das almas) são paixões ancestrais do fascismo. Típico do espírito fascista é seu amor puritano pela "humanidade correta" ao mesmo tempo em que detesta a diversidade promíscua dos seres humanos.

Por isso sua vocação para idéia de "higiene científica e política da vida": supressão de hábitos "irracionais", criação de comportamentos "que agregam valor político, científico e social". O imperativo "seja saudável" pode adoecer uma pessoa. Na democracia o fascismo pode ser invisível como um vírus.

Quer um exemplo da contaminação? Votemos uma lei: mesmo em casa não se pode fumar. Afinal, como ficam os pulmões dos vizinhos? Que tal uma campanha nas escolas para as crianças denunciarem seus pais fumantes?

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