Uma visão muito bem humorada das "jornadas de junho", por Paulo Bono do blog Espalitando Dente
Foi tudo
muito rápido. Eu estava em casa com o peito cheio de dor e gases. Estrangulava
a tarde com bobagens na internet enquanto aguardava por um maldito arroto. Foi
quando vi esse vídeo do Pelé dizendo para esquecermos as manifestações e
apoiarmos o time do Felipão. Só mesmo a Xuxa para dar a buceta a um cara
desses. De alguma forma, aquele vídeo me fez mal. Então peguei o telefone,
liguei pro Guismo e disse – “Tô dentro”. Bati a porta e desci a rua. Passei num
desses armarinhos coloridos e pedi uma cartolina e uma caneta Piloto. Escrevi a
frase enquanto a putinha do balcão observava suas unhas. “Só se fala nesse
protesto” – ela disse – “mas é contra o quê mesmo?”. Eu disse – “Vamos fuder a
bastilha, baby!”. Depois peguei um ônibus e logo estava no Campo Grande já
arrependido de ter deixado meu sofá para trás.
A praça
estava lotada. Jovens retardados, cocô-boys, xixi-girls, velhos porra-loucas,
novos maconheiros, estudantes radicais e pseudorevoltados, como eu,
concentravam suas forças e seus cartazes para uma caminhada rumo à Fonte Nova.
Uruguai X Nigéria. Prometia um bom jogo. Mas a turma queria acabar com a festa.
Um dos problemas era a polícia e suas bombas de gás. O outro é que eu começava
a lembrar que eu não passava de um covarde. Nunca fui engajado ou patriota.
Sempre caguei pro futuro do nação. Ter apenas compartilhado a porra daquele
vídeo xingando o Pelé e o Edson já estaria de bom tamanho e proporcional à
minha consciência política. De qualquer forma, andei um pouco pela praça e
acabei encontrando o Guismo. Ele estava tocando os Alquimistas numa roda repleta de outros guismos. Todos iguais.
Barbicha, camisa xadrez e cabelos assanhados. Como se tivesse chovido a manhã
toda e eles tivessem se multiplicado aos montes. Até as putinhas pareciam ter
pentelhos no queixo. Guismo se levantou e veio em minha direção. Tinha os olhos
vermelhos. Longes e vermelhos.
- Jorge Bem
Jor é foda – ele disse.
- Seguinte: –
eu disse – o clima tá bacana, mas acho
que vou cair fora.
- Relaxa,
gordo. Tem mulher pra caralho aqui.
- Não sirvo
pra esse lance de protesto.
- Se eu
soubesse que esse negócio de manifestação tinha tanta gostosa, eu já tinha
virado presidente da CUT, UNE, MST, essas putaria toda.
- Eu sou
alienado, porra...
- Deixa eu
ver seu cartaz.
- Tô cheio de
gases, uma dor do caralho...
-
Hehehehe...de fuder, o cartaz.
- E também
não passei Hipoglós na perna, vou me fuder nessa história.
- Segura aí
que o Barbosa vai falar.
Então um dos
guismos subiu numa das esculturas da praça e começou a falar com ajuda de um
megafone. Fez lá uma saudação com os punhos fechados no ar e a turma foi ao
delírio. Pareciam estar brincando de revolta, como se imitassem algo que eles
viram na TV. O tal Barbosa tinha uns óculos idiotas que lhe faziam parecer um
rapazinho educado, mas falava com raiva e cuspe, algo deixaria sua vó morta de
vergonha. O barulho na praça e meu déficit de atenção não me deixaram escutar
muito bem. Peguei apenas frases soltas como “abaixo a corrupção”, “copa para
ricos”, “não sei o que lá do passe livre” e “dedo no cu de Feliciano”, uma
coisa dessas. Por fim, Barbosa levantou o punho mais uma vez e a turma bateu
palmas. Depois, ele desceu da escultura e se aproximou. Guismo fez as
apresentações.
- Barbosa,
esse é Bono, o gordo que te falei. Ele trouxe um cartaz maneiro.
- Seja
bem-vindo, companheiro Bono. O momento é esse mesmo, de luta, de união.
- Na verdade
– eu disse – tava até falando com Guismo que esse negócio de luta...
- Esse é seu
cartaz?
- Minha letra
é uma merda, mas...
- Muito bom,
companheiro Bono. Quer dizer, não diz nada sobre nossa pauta de reivindicações,
mas precisamos também dessas afirmativas que não dizem nada, mas também dizem
tudo porque é a voz do povo, entendeu? Essa é a voz do povo. Parabéns pelo
cartaz, companheiro Bono.
- Ok, se
quiser, eu te empresto...
- É que o
gordo tá com medo da polícia. – Guismo disse.
- Não chega a
ser medo. É que esse lance de bala de borracha...
- Companheiro
Bono – Barbosa disse - essa semana eu vi uma mensagem interessante no facebook.
Dizia assim, “Se tiver com medo, vai com medo mesmo”.
- Tudo bem,
mas vou logo avisando que não pego em arma.
- Nós somos
de paz, Companheiro Bono.
- Ok, tudo
bem, positivo, companheiro Barbosa. Mas a gente tem algum plano B? Digo, se der
merda?
- Companheiro
Guismo, toca essa viola. O plano é acordar o gigante.
Barbosa
partiu na frente e puxou os rebeldes. Guismo tocou primeiro aquela do Vandré.
Ou foi uma de Gonzaguinha, não lembro direito. Não tinha certeza se meu lugar
era no front, mas segui o movimento. Ao sair da praça, um neofotógrafo pediu
para fazer uma foto do meu cartaz. Eu disse, tudo bem. Mais adiante, com a rua
mais estreita, os passos ficaram mais curtos. As cabeças cheias de merda se
aproximaram umas das outras formando uma massa sólida e coesa que engolia o
asfalto, as calçadas e janelas. Aquilo me fez sentir mais confiante. Talvez até
patriota. Foda-se se aquela turma não tinha uma pauta definida. Fodam-se os
definidores da razão e da pauta. Foda-se o Pelé e, antes que me esqueça,
foda-se o Ronaldo. Vou dizer uma coisa. A avenida estava tomada e não era
fevereiro. Aqueles políticos estavam fudidos.
Foi quando
dobrávamos o Politeama que escutei alguém chamar o meu nome. Um negro com mais
de dois metros, usando boné, óculos escuros e capuz, gesticulava em minha
direção. Foi difícil, mas reconheci. Era o Big. Um velho amigo dos tempos do
segundo grau. Avisei a Guismo que ficaria um pouco para trás e fui até a
esquina. A especialidade de Big era basquete, mas jogamos juntos no lendário My
Eggs, o pior time da história. E quando digo pior time, quero dizer que éramos
do terceiro ano e levamos 8 X 0 dos moleques da sétima-série.
- Que é que
tá fazendo aqui, gordo? – Big disse.
- Que é que você tá fazendo aqui, Big? Tá parecendo
um traficante, porra. A sua é essa agora? Vender pó pra estudante?
- Eu sou
Federal, porra.
- Virou
POLÍCIA?
- Fala baixo,
desgraça. Senão essa gente me mata. Passei num concurso em Manaus, lá na casa
do caralho, mosquito pra caralho, mas como sou foda, entrei nesse grupo
especial, e me trouxeram pra ajudar na segurança dessa copa de merda. Pelo
menos aproveito pra ver minha mãe. Tô dando cobertura a uns bacanas e políticos
da Nigéria. Mas tô à paisana, disfarçado, monitorando a área.
- Sei como é,
tipo Anjos da Lei.
- Só um
minuto – disse Big pressionando o dedo num ponto de escuta em seu ouvido -“Pode
falar...afirmativo...por enquanto só código 07...o quê?...sei, sei...pão
branco....ok...afirmativo, capitão!”.
- O ministro
da Nigéria – disse Big – cismou que quer comer Subway. Frango Teriaki.
- Já foi bom.
Antigamente eles caprichavam. Hoje, esses escrotos já deixam o franguinho só
melado com quase nada de Teriaki.
- E que
cartaz é esse? Virou agitador? A sua agora é essa? Você é agitador?
- Melhor do
que é ser um reaça.
- Reaça, o
caralho.
- E se seus
comparsas da federal soubessem que você morria de medo de camundongos?
- Bono, o
passado fica no passado. Agora me diga, qual é o plano desses vândalos?
- Caguetar
meus companheiros de luta nunca foi o meu estilo.
- Velho, você
não acha que eu também queria escrever um cartaz com tudo que eu penso sobre
esse país de merda e poder botar minha foto no Facebook? A minha vontade era de
enfiar não um Frango Teriaki, mas um B.M.T de 30 cm, no pão de aveia e mel,
cheio daqueles carocinhos, bem no meio do cu daquele ministro e de qualquer
político desses. Mas só tô fazendo meu trabalho e tô louco pra acabar meu
plantão e ir comer a mariscada que minha mãe fez. Você acredita que naquela
porra daquela Amazônia ninguém faz uma mariscada decente?
- Ok, Big. Tô
emocionado. Então se prepara que o objetivo da galera é invadir o campo, furar
a bola e acabar com o baba.
- Então segura o cu, vocês. Porque os homem
armaram duas linhas de quatro no dique, que não passa porra nenhuma. E se eu fosse
você, me picava pra casa, porque um passarinho verde e amarelo me disse que o pau
vai cantar.
Foram mais ou
menos as últimas palavras do Big, que agora é era da Federal. Depois nos
despedimos, aperto de mão e tapa nas costas. Enquanto ele partiu para uma
diligência até a Subway do corredor da Vitória, eu voltei para a caminhada e
acelerei o passo para tentar reencontrar Guismo e Barbosa. O protesto desceu o
Politeama e o Vale dos Barris até esbarrar nos arredores do Dique do Tororó
próximo ao estádio.
Como o Big
havia dito, um cordão de policiais fechou qualquer passagem ao redor do Dique,
com direito a polícia montada e helicóptero na cobertura. Foi então que os
rebeldes estancaram o passo. Nenhum sinal dos companheiros Guismo e Barbosa. Ainda
assim, o clima seguia tranquilo. Jovenzinhos sorridentes e até idosos com faixa
na cabeça ainda ficaram por ali erguendo seus cartazes e cantarolando rimas
fáceis exigindo isso e aquilo do governo. Foi quando notei essa pequena
rebelde. Sozinha, peitudinha, cheia de personalidade. Seu cartaz dizia algo
sobre o amor não ter cura. Sempre acho que, na hora de fuder, essas ativistas
radicais se convertem e só querem um macho que mostre quem é que manda no
pedaço. Me aproximei.
- Pelo jeito,
o negócio aqui esfriou – eu disse.
- O quê?
- É que sei
de um lugarzinho ali na Carlos Gomes...
- Do que você
falando, cara?
- Que a gente
podia fazer verdadeira revolução. O que acha?
- Seu cartaz...
- Gostou?
- Só não é
mais idiota que você.
BOOM!!!BOOM!!!!BOOM!!!!
As bombas de
gás vieram de todos os lados, inclusive dos céus. Então larguei meu cartaz e
disse – “CORRE, PUTA!”. Agora, a luta era pela sobrevivência. As pessoas
corriam, choravam, cobriam os rostos e se batiam umas nas outras. Fiz minha
parte e improvisei um plano B. Corri feito o mais autêntico dos covardes. Corri
como um filho da puta que foge à luta. Corri e finalmente arrotei. E quando meus
olhos começaram a arder, corri sem medo de fazer a ridícula cena de um gordo
correndo. “Voltem! Voltem” - uma sapatona engajada gritou – “Não corram! É isso
que eles querem!” – “Vá tomar no cu!” – Joguei de volta. Corri até atravessar o
Politeama e a Avenida Sete. A estratégia era me afastar ao máximo da zona de
conflito. Só desacelerei quando alcancei a Carlos Gomes. Mas continuei em
passos firmes. Siga em frente, gordo, e não olhe para trás. Você não serve pra
isso. Pensei nos meus companheiros. Talvez Guismo já não tivesse mais um violão.
E a essa altura, o promissor Barbosa já estaria levando choque nos ovos. Eu já
não tinha mais fôlego. Então parei numa dessas barracas que vende tudo e pedi
uma Coca-Cola. A TV estava ligada. A Espanha metia 7 no Taiti. “Respira, gordo”
– disse o coroa da barraca – “Tava no protesto?”. Virei um gole da Coca-Cola e
disse “Caralho, eles meteram bomba do nada”. Jovens ainda caminhavam
apressados. As putinhas estavam histéricas, irracionais. Escutei novos estouros
e lembrei Michel Corleone. “Política é saber a hora de puxar o gatilho”. Pênalti
pra Espanha. Soltei um grande arroto. O cara bateu pra fora. O goleiro do Taiti
comemorou, vibrou com todas as forças como se fosse uma grande vitória.
Engraçado. Era a segunda vez naquele dia que eu lembrava do My Eggs. (Fonte)
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