segunda-feira, 4 de novembro de 2013

PEC de cu é rola


Uma visão muito bem humorada das "jornadas de junho", por Paulo Bono do blog Espalitando Dente



Foi tudo muito rápido. Eu estava em casa com o peito cheio de dor e gases. Estrangulava a tarde com bobagens na internet enquanto aguardava por um maldito arroto. Foi quando vi esse vídeo do Pelé dizendo para esquecermos as manifestações e apoiarmos o time do Felipão. Só mesmo a Xuxa para dar a buceta a um cara desses. De alguma forma, aquele vídeo me fez mal. Então peguei o telefone, liguei pro Guismo e disse – “Tô dentro”. Bati a porta e desci a rua. Passei num desses armarinhos coloridos e pedi uma cartolina e uma caneta Piloto. Escrevi a frase enquanto a putinha do balcão observava suas unhas. “Só se fala nesse protesto” – ela disse – “mas é contra o quê mesmo?”. Eu disse – “Vamos fuder a bastilha, baby!”. Depois peguei um ônibus e logo estava no Campo Grande já arrependido de ter deixado meu sofá para trás.




A praça estava lotada. Jovens retardados, cocô-boys, xixi-girls, velhos porra-loucas, novos maconheiros, estudantes radicais e pseudorevoltados, como eu, concentravam suas forças e seus cartazes para uma caminhada rumo à Fonte Nova. Uruguai X Nigéria. Prometia um bom jogo. Mas a turma queria acabar com a festa. Um dos problemas era a polícia e suas bombas de gás. O outro é que eu começava a lembrar que eu não passava de um covarde. Nunca fui engajado ou patriota. Sempre caguei pro futuro do nação. Ter apenas compartilhado a porra daquele vídeo xingando o Pelé e o Edson já estaria de bom tamanho e proporcional à minha consciência política. De qualquer forma, andei um pouco pela praça e acabei encontrando o Guismo. Ele estava tocando os Alquimistas numa roda repleta de outros guismos. Todos iguais. Barbicha, camisa xadrez e cabelos assanhados. Como se tivesse chovido a manhã toda e eles tivessem se multiplicado aos montes. Até as putinhas pareciam ter pentelhos no queixo. Guismo se levantou e veio em minha direção. Tinha os olhos vermelhos. Longes e vermelhos.



- Jorge Bem Jor é foda – ele disse.

- Seguinte: – eu disse –  o clima tá bacana, mas acho que vou cair fora.

- Relaxa, gordo. Tem mulher pra caralho aqui.

- Não sirvo pra esse lance de protesto.

- Se eu soubesse que esse negócio de manifestação tinha tanta gostosa, eu já tinha virado presidente da CUT, UNE, MST, essas putaria toda.

- Eu sou alienado, porra...

- Deixa eu ver seu cartaz.

- Tô cheio de gases, uma dor do caralho...

- Hehehehe...de fuder, o cartaz.

- E também não passei Hipoglós na perna, vou me fuder nessa história.

- Segura aí que o Barbosa vai falar.



Então um dos guismos subiu numa das esculturas da praça e começou a falar com ajuda de um megafone. Fez lá uma saudação com os punhos fechados no ar e a turma foi ao delírio. Pareciam estar brincando de revolta, como se imitassem algo que eles viram na TV. O tal Barbosa tinha uns óculos idiotas que lhe faziam parecer um rapazinho educado, mas falava com raiva e cuspe, algo deixaria sua vó morta de vergonha. O barulho na praça e meu déficit de atenção não me deixaram escutar muito bem. Peguei apenas frases soltas como “abaixo a corrupção”, “copa para ricos”, “não sei o que lá do passe livre” e “dedo no cu de Feliciano”, uma coisa dessas. Por fim, Barbosa levantou o punho mais uma vez e a turma bateu palmas. Depois, ele desceu da escultura e se aproximou. Guismo fez as apresentações.




- Barbosa, esse é Bono, o gordo que te falei. Ele trouxe um cartaz maneiro.

- Seja bem-vindo, companheiro Bono. O momento é esse mesmo, de luta, de união.

- Na verdade – eu disse – tava até falando com Guismo que esse negócio de luta...

- Esse é seu cartaz?

- Minha letra é uma merda, mas...

- Muito bom, companheiro Bono. Quer dizer, não diz nada sobre nossa pauta de reivindicações, mas precisamos também dessas afirmativas que não dizem nada, mas também dizem tudo porque é a voz do povo, entendeu? Essa é a voz do povo. Parabéns pelo cartaz, companheiro Bono.

- Ok, se quiser, eu te empresto...

- É que o gordo tá com medo da polícia. – Guismo disse.

- Não chega a ser medo. É que esse lance de bala de borracha...

- Companheiro Bono – Barbosa disse - essa semana eu vi uma mensagem interessante no facebook. Dizia assim, “Se tiver com medo, vai com medo mesmo”.

- Tudo bem, mas vou logo avisando que não pego em arma.

- Nós somos de paz, Companheiro Bono.

- Ok, tudo bem, positivo, companheiro Barbosa. Mas a gente tem algum plano B? Digo, se der merda?

- Companheiro Guismo, toca essa viola. O plano é acordar o gigante.



Barbosa partiu na frente e puxou os rebeldes. Guismo tocou primeiro aquela do Vandré. Ou foi uma de Gonzaguinha, não lembro direito. Não tinha certeza se meu lugar era no front, mas segui o movimento. Ao sair da praça, um neofotógrafo pediu para fazer uma foto do meu cartaz. Eu disse, tudo bem. Mais adiante, com a rua mais estreita, os passos ficaram mais curtos. As cabeças cheias de merda se aproximaram umas das outras formando uma massa sólida e coesa que engolia o asfalto, as calçadas e janelas. Aquilo me fez sentir mais confiante. Talvez até patriota. Foda-se se aquela turma não tinha uma pauta definida. Fodam-se os definidores da razão e da pauta. Foda-se o Pelé e, antes que me esqueça, foda-se o Ronaldo. Vou dizer uma coisa. A avenida estava tomada e não era fevereiro. Aqueles políticos estavam fudidos.



Foi quando dobrávamos o Politeama que escutei alguém chamar o meu nome. Um negro com mais de dois metros, usando boné, óculos escuros e capuz, gesticulava em minha direção. Foi difícil, mas reconheci. Era o Big. Um velho amigo dos tempos do segundo grau. Avisei a Guismo que ficaria um pouco para trás e fui até a esquina. A especialidade de Big era basquete, mas jogamos juntos no lendário My Eggs, o pior time da história. E quando digo pior time, quero dizer que éramos do terceiro ano e levamos 8 X 0 dos moleques da sétima-série.



- Que é que tá fazendo aqui, gordo? – Big disse.

- Que é que você tá fazendo aqui, Big? Tá parecendo um traficante, porra. A sua é essa agora? Vender pó pra estudante?

- Eu sou Federal, porra.

- Virou POLÍCIA?

- Fala baixo, desgraça. Senão essa gente me mata. Passei num concurso em Manaus, lá na casa do caralho, mosquito pra caralho, mas como sou foda, entrei nesse grupo especial, e me trouxeram pra ajudar na segurança dessa copa de merda. Pelo menos aproveito pra ver minha mãe. Tô dando cobertura a uns bacanas e políticos da Nigéria. Mas tô à paisana, disfarçado, monitorando a área.

- Sei como é, tipo Anjos da Lei.

- Só um minuto – disse Big pressionando o dedo num ponto de escuta em seu ouvido -“Pode falar...afirmativo...por enquanto só código 07...o quê?...sei, sei...pão branco....ok...afirmativo, capitão!”.

- O ministro da Nigéria – disse Big – cismou que quer comer Subway. Frango Teriaki.

- Já foi bom. Antigamente eles caprichavam. Hoje, esses escrotos já deixam o franguinho só melado com quase nada de Teriaki.

- E que cartaz é esse? Virou agitador? A sua agora é essa? Você é agitador?

- Melhor do que é ser um reaça.

- Reaça, o caralho.

- E se seus comparsas da federal soubessem que você morria de medo de camundongos?

- Bono, o passado fica no passado. Agora me diga, qual é o plano desses vândalos?

- Caguetar meus companheiros de luta nunca foi o meu estilo.

- Velho, você não acha que eu também queria escrever um cartaz com tudo que eu penso sobre esse país de merda e poder botar minha foto no Facebook? A minha vontade era de enfiar não um Frango Teriaki, mas um B.M.T de 30 cm, no pão de aveia e mel, cheio daqueles carocinhos, bem no meio do cu daquele ministro e de qualquer político desses. Mas só tô fazendo meu trabalho e tô louco pra acabar meu plantão e ir comer a mariscada que minha mãe fez. Você acredita que naquela porra daquela Amazônia ninguém faz uma mariscada decente?

- Ok, Big. Tô emocionado. Então se prepara que o objetivo da galera é invadir o campo, furar a bola e acabar com o baba.

 - Então segura o cu, vocês. Porque os homem armaram duas linhas de quatro no dique, que não passa porra nenhuma. E se eu fosse você, me picava pra casa, porque um passarinho verde e amarelo me disse que o pau vai cantar.



Foram mais ou menos as últimas palavras do Big, que agora é era da Federal. Depois nos despedimos, aperto de mão e tapa nas costas. Enquanto ele partiu para uma diligência até a Subway do corredor da Vitória, eu voltei para a caminhada e acelerei o passo para tentar reencontrar Guismo e Barbosa. O protesto desceu o Politeama e o Vale dos Barris até esbarrar nos arredores do Dique do Tororó próximo ao estádio.



Como o Big havia dito, um cordão de policiais fechou qualquer passagem ao redor do Dique, com direito a polícia montada e helicóptero na cobertura. Foi então que os rebeldes estancaram o passo. Nenhum sinal dos companheiros Guismo e Barbosa. Ainda assim, o clima seguia tranquilo. Jovenzinhos sorridentes e até idosos com faixa na cabeça ainda ficaram por ali erguendo seus cartazes e cantarolando rimas fáceis exigindo isso e aquilo do governo. Foi quando notei essa pequena rebelde. Sozinha, peitudinha, cheia de personalidade. Seu cartaz dizia algo sobre o amor não ter cura. Sempre acho que, na hora de fuder, essas ativistas radicais se convertem e só querem um macho que mostre quem é que manda no pedaço. Me aproximei.



- Pelo jeito, o negócio aqui esfriou – eu disse.

- O quê?

- É que sei de um lugarzinho ali na Carlos Gomes...

- Do que você falando, cara?

- Que a gente podia fazer verdadeira revolução. O que acha?

- Seu cartaz...

- Gostou?

- Só não é mais idiota que você.



BOOM!!!BOOM!!!!BOOM!!!!



As bombas de gás vieram de todos os lados, inclusive dos céus. Então larguei meu cartaz e disse – “CORRE, PUTA!”. Agora, a luta era pela sobrevivência. As pessoas corriam, choravam, cobriam os rostos e se batiam umas nas outras. Fiz minha parte e improvisei um plano B. Corri feito o mais autêntico dos covardes. Corri como um filho da puta que foge à luta. Corri e finalmente arrotei. E quando meus olhos começaram a arder, corri sem medo de fazer a ridícula cena de um gordo correndo. “Voltem! Voltem” - uma sapatona engajada gritou – “Não corram! É isso que eles querem!” – “Vá tomar no cu!” – Joguei de volta. Corri até atravessar o Politeama e a Avenida Sete. A estratégia era me afastar ao máximo da zona de conflito. Só desacelerei quando alcancei a Carlos Gomes. Mas continuei em passos firmes. Siga em frente, gordo, e não olhe para trás. Você não serve pra isso. Pensei nos meus companheiros. Talvez Guismo já não tivesse mais um violão. E a essa altura, o promissor Barbosa já estaria levando choque nos ovos. Eu já não tinha mais fôlego. Então parei numa dessas barracas que vende tudo e pedi uma Coca-Cola. A TV estava ligada. A Espanha metia 7 no Taiti. “Respira, gordo” – disse o coroa da barraca – “Tava no protesto?”. Virei um gole da Coca-Cola e disse “Caralho, eles meteram bomba do nada”. Jovens ainda caminhavam apressados. As putinhas estavam histéricas, irracionais. Escutei novos estouros e lembrei Michel Corleone. “Política é saber a hora de puxar o gatilho”. Pênalti pra Espanha. Soltei um grande arroto. O cara bateu pra fora. O goleiro do Taiti comemorou, vibrou com todas as forças como se fosse uma grande vitória. Engraçado. Era a segunda vez naquele dia que eu lembrava do My Eggs. (Fonte)

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