sábado, 10 de março de 2012

Retrato

Um poema de Antonio Machado*




RETRATO

Mi infancia son recuerdos de un patio de Sevilla,
y un huerto claro donde madura el limonero;
mi juventud, veinte años en tierra de Castilla;
mi historia, algunos casos que recordar no quiero.

Ni un seductor Mañara, ni un Bradomín he sido
— ya conocéis mi torpe aliño indumentario —,
mas recibí la flecha que me asignó Cupido,
y amé cuanto ellas puedan tener de hospitalario.

Hay en mis venas gotas de sangre jacobina,
pero mi verso brota de manantial sereno;
y más que un hombre al uso que sabe su doctrina,
soy, en el buen sentido de la palabra, bueno.

Adoro la hermosura, y en la moderna estética
corté las viejas rosas del huerto de Ronsard;
mas no amo los afeites de la actual cosmética,
ni soy un ave de esas del nuevo gay-trinar.

Desderio las romanzas de los tenores huecos
y el coro de los grillos que cantan a la luna.
A distinguir me paro las voces de los ecos,
y escucho solamente, entre las voces, una.

¿Soy clásico o romántico? No sé. Dejar quisiera
mi verso, como deja el capitán su espada;
famosa por la mano viril que la blandiera,
no por el docto oficio del forjador preciada.

Converso con el hombre que siempre va conmigo
— quien habla solo espera hablar a Dios un día —;
mi soliloquio es plática con este buen amigo
que me enseñó el secreto de la filantropía.

Y al cabo, nada os debo; debéisme cuanto he escrito.
A mi trabajo acudo, con mi dinero pago
el traje que me cubre y la mansión que habito,
el pan que me alimenta y el lecho en donde yago.

Y cuando llegue el día del último viaje,
y esté al partir la nave que nunca ha de tornar,
me encontraréis a bordo ligero de equipaje,
casi desnudo, como los hijos de la mar.




Poema Traduzido:

RETRATO

Tradução de Fernando Mendes Vianna


Minha infância: memórias de um pátio de Sevilha,
e de um horto claro onde madura o limoeiro;
juventude, vinte anos em terras de Castilha;
a minha história quero esquecer por inteiro.

Mañara, nem Bradomín hei sido
— já conheceis meu torpe alinho indumentário —
mas recebi a flecha que me apontou Cupido,
e amei quanto elas possam ter de hospitalário.

Tenho nas veias gotas de estirpe jacobina,
mas o meu verso brota de manancial sereno;
e, mais que o homem usual que sabe sua doutrina,
eu sou um homem bom, um homem sem veneno.

Adoro a formosura, e na moderna estética
cortei as velhas rosas do jardim de Ronsard;
mas não amo os enfeites da moderna cosmética,
nem sou uma ave dessas do novo gay-trinar.

Eu desdenho as romanças desses tenores pecos
e dos grilos o coro a cantar ao luar.
Procuro distinguir entre as vozes e os ecos,
e entre as vozes só escuto a que prefiro amar.

Sou clássico ou romântico? Não sei. Deixar quisera
meu verso como deixa o capitão sua espada;
famosa pela mão viril que ao alto a erguera,
não pelo douto ofício do forjador prezada.

Dialogo com o homem que sempre vai comigo
— quem fala a sós, espera falar a Deus um dia —
meu solilóquio é prática com este bom amigo
que ensinou-me o segredo de sua filantropia.

Enfim, nada vos devo; deveis-me o que hei escrito.
A meu trabalho acudo, com meu dinheiro pago
a roupa que me cobre e a mansão que habito,
o pão que me alimenta e o leito onde me apago.

E quando chegue o dia da última viagem,
e esteja de partida a nau sem retornar,
me encontrareis a bordo ligeiro de equipagem,
quase desnudo, nu como os filhos do mar.


* Antonio Machado nasceu em Sevilha e muito jovem mudou-se com a família para Madri. Estudou na Instituição Livre de Ensino e passou algum tempo em Paris, conhecendo a literatura da época. Soledades, seu primeiro livro de poemas (1903), alinha-se claramente ao Modernismo, mas com uma tendência intimista que o libertará dos aspectos mais externos desse movimento na revisão de 1907 (Soledades, Galerías, Otros Poemas). Nesse ano instala-se em Sória como catedrático de francês e se casa com Leonor Izquierdo, que adoeceria e morreria em 1912, mesmo ano em que apareceu Campos de Castilla. O poeta, dolorido, deixou o Douro para lecionar em Baeza (1913-1919), Segóvia (1919­1931) e Madri. Desse longo período destacam-se: Nuevas Canciones, e as páginas apócrifas de Juan de Mairena e Abel Martín, com os belos versos à misteriosa “Guiomar”.

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