Por que alguém se considera no  direito de tachar um dos jornalistas mais talentosos e mais  bem-preparados de sua geração de “negro de alma branca” e de afirmar que  ele “não conseguiu revelar nenhum atributo para fazer tanto sucesso,  além de ser negro e de origem humilde”, como fez um senhor chamado Paulo  Henrique Amorim com Heraldo Pereira? Minhas caras, meus caros, essa  história vem de longe. E será preciso apelar aqui à origem de certas  idéias, que acabaram definindo alguns paradigmas. Antes que entre  propriamente no aspecto mais perverso e quase invisível do racismo,  terei de fazer algumas considerações.
Vocês  conhecem bem os ataques de que sou alvo porque me oponho, por exemplo, à  política de cotas raciais. Alguns militantes da causa, brancos e  negros, acusam-me, por isso, de “racista”. Não vou debater cotas agora  porque desviaria este post de seu propósito. Já escrevi muito a  respeito. Pretendo abordar um aspecto do racismo que a muitos passa  despercebido porque praticado, ou cultivado, por supostos porta-vozes de  causas consideradas “progressistas” ou “de esquerda”, como queiram.
Nesta  madrugada, publiquei um longo post sobre o livro “Aguanten Los K”, do  jornalista argentino Carlos M. Reymundo Roberts. Recomendo o artigo a  quem não o tenha lido. Roberts trata justamente das hordas de  partidários do “kirchnerismo” que atuam nos blogs, no Twitter e até nas  rádios, para reproduzir as verdades eternas do governismo e tentar  destruir a reputação daqueles considerados “inimigos”. Na Argentina como  no Brasil, esses vagabundos são alimentados por dinheiro público e  obedecem a um comando partidário. Lá, são “Los K”; aqui, são “os  petralhas”. Tentam dividir o mundo em duas metades: a boa, “progressista  e de esquerda” (eles), e a má, “reacionária e de direita” (os outros). 
Outra  referência bibliográfica importante nesse debate é “O Fascismo de Esquerda”, do jornalista americano Jonah Goldberg. O autor procede a uma  breve reconstituição histórica de alguns valores tidos nos EUA como  “liberais” (lá, essa palavra quer dizer “à esquerda”) e evidencia o seu  parentesco com teses e proposta do fascismo. Nos melhores momentos do  livro, demonstra como as propostas mais autoritárias, discriminatórias  mesmo!, podem ser consideradas verdadeiros poemas humanistas, desde que  abraçadas por “liberais”, e como valores ligados aos direitos  fundamentais do homem podem ser tidos como “autoritários” se defendidos  por conservadores. A síntese é esta: os ditos “progressistas” serão  sempre progressistas, mesmo quando reacionários; e os ditos  “reacionários” serão sempre reacionários, mesmo quando progressistas. As  esquerdas, em suma, mundo afora, se tornam “donas do humanismo”. 
Atenção,  meus queridos! Nenhum autoritarismo, por mais deletério e estúpido que  seja, é tão estúpido e deletério quanto o das esquerdas e de seus  apaniguados. É a história que me dá razão. O despotismo que se instala  em nome da liberdade do povo é duplamente perverso porque pratica todas  as violências com as quais prometeu acabar e ainda destrói a esperança.
Todas as  ditaduras são asquerosas, de direita ou de esquerda. Mas as de esquerda  são mais longevas e matam muito mais — incomparavelmente mais — porque  seus assassinos falam em nome do bem da humanidade. Hitler era um  facínora vagabundo, um recalcado homicida, que falava claramente em nome  de um grupo, de uma “raça”. Já o seu antípoda complementar, Stálin, era  tido como arauto de uma “nova humanidade”. Com razão e para o bem da  civilização, os partidários do bigodinho assassino são reprimidos mundo  afora; sem razão e para o mal da civilização, os admiradores do bigodão  assassino ainda estão por aí, pautando, muitas vezes, o “debate de  resistência”. Não é preciso ir longe. Integrantes dos governos petistas  que tentaram instalar uma ditadura stalinista no Brasil, Dilma  inclusive, dizem hoje se orgulhar da luta pela “democracia”… É uma  mentira grotesca. Muito bem! E o que isso tudo tem a ver com Heraldo Pereira?
Vamos ao centro do racismo
 
É possível estabelecer a genealogia da descriminação racial nos  vários países, inclusive no Brasil. Por razões específicas, na Europa e  na Rússia, por exemplo, ela se voltou contra os judeus; no Brasil,  contra os negros; na África subsaariana, contra tribos originalmente  rivais — já que a cor da pele não tem importância. Combater a cultura e a  prática da discriminação é um imperativo moral e ético. É matéria que  diz respeito à civilização. A causa não é propriedade privada de uma  ideologia, de um partido político ou de ONGs, movimentos sociais e seus  associados.
O racismo  bronco pode ser enfrentado com clareza porque visível. Os estúpidos, os  bucéfalos, que saem por aí a vociferar o seu ódio contra negros, por  exemplo, praticam o que costumo chamar de “racismo de primeiro grau”.  São crus, desprovidos de qualquer ambição intelectual, mal escondem o  seu recalque: ou acham que um negro bem-sucedido está a ocupar um lugar  que lhes caberia por direito natural ou entendem que a presença do  “outro” ameaça o seu próprio status. Merecem ser duramente enfrentados  nas ruas, nas escolas, nas empresas, nos tribunais. Não, não acredito  que o caminho sejam as cotas, mas, reitero, não entro nesse mérito  agora.
O racismo de segundo grau
 
Já o racismo de segundo grau é coisa mais complicada. Embora  seus cultivadores se digam inimigos da discriminação e aliados de todos  os grupos que lutam pelos direitos das minorias, não compreendem — e, no  fundo, não aceitam — que um negro possa ser bem-sucedido em sua  profissão A MENOS QUE CARREGUE AS MESMAS BANDEIRAS QUE ELES DIZEM  CARREGAR!
Eis, então,  que um profissional com as qualidades de Heraldo Pereira os ofende  gravemente. Sim, ele é negro. Sim, ele tem “uma origem humilde”. Ocorre  que ele chega ao topo de sua profissão mesmo no país em que há muitos  racistas broncos e em que a maior discriminação ainda é a de origem  social. E chegou lá sem fazer o gênero do oprimido reivindicador, sem  achar que o lugar lhe pertencia por justiça histórica, porque, afinal,  seus avós teriam sido escravos dos avós dos brancos com os quais ele  competiu ou que a luta de classes lhe roubou oportunidades.
Sabem o que  queriam os “racistas de segundo grau”, essas almas caridosas que adoram  defender minorias? Que Heraldo Pereira estivesse na Globo, sim, mas com o  esfregão na mão e muito discurso contra o racismo na cabeça. Aí, então,  eles poderiam dizer: “Vejam, senhores!, aquele negro! Por que ele não  está na bancada do Jornal Nacional?” Ocorre que Heraldo ESTÁ na bancada  do Jornal Nacional. E sem pedir licença a ninguém. Enquanto alguns  negros, brancos, amarelos ou vermelhos choramingavam, o jornalista  Heraldo Pereira foi estudar direito na Universidade de Brasília.  Enquanto alguns se encarregavam de medir o seu “teor de negritude  militante”, ele foi fazer mestrado — a sua dissertação: “Direito  Constitucional: Desvios do Constituinte Derivado na Alteração da Norma  Constitucional”.
Quando se  classifica alguém como Heraldo de “negro de alma branca” — e já ouvi  cretinos a dizer a mesma coisa sobre Barack Obama porque também  insatisfeitos com a sua pouca disposição para o ódio racial —, o que se  pretende, na verdade, é lhe impor uma pauta. Atenção para isto:
 
- por ser negro, ele seria menos livre do que um branco, por exemplo, porque estaria obrigado a aderir a uma determinada pauta;
- por ser negro, ele teria menos escolhas, estando condenado a fazer um  determinado discurso que os “donos das causas” consideram progressista;
- ao nascer, portanto, negro ele já nasceria escravo de uma causa.
Heraldo os  ofende porque diz, com todas as letras e com sua brilhante trajetória  profissional: “Sou o que quero ser, o que decidi ser, o que estudei para  ser, o que lutei para ser. Eu escolho, não sou escolhido! Sou senhor da  minha vida, não um serviçal daqueles que dizem querer me libertar”.  Heraldo os ofende porque não precisa que brancos bem-pensantes pensem  por ele. E há ainda uma ofensa adicional: não é reconhecido como um  “progressista com carteirinha do partido”.
Que pena os  racistas de segundo grau não poderem passar a mão na cabeça de Heraldo  Pereira, condoídos com a sua condição de vítima não é!? Em vez disso,  quem está no topo é Heraldo. Os que gostariam de sentir dele aquela pena  militante só caminham para a lata de lixo do racismo de segundo grau.
Ladrões de alma
 
Caminhando para o encerramento, noto ainda que a expressão  “negro de alma branca” pretende roubar do alvo da ofensa a sua  individualidade, de modo a transformá-lo numa monstruosidade moral, sem  lugar. Por negro, Heraldo seria sempre um estranho entre os brancos. Por  ter a alma branca, sendo negro, tentaria forjar uma identidade que não é  a sua. Não é difícil concluir que este ser, então, não teria lugar nem  entre os brancos nem entre os negros.
Esse caso,  meus caros, expõe as entranhas do pior lixo racista, que é aquele  praticado pelos ditos “progressistas”. Como é mesmo?
 
“Nenhum autoritarismo, por mais deletério e estúpido que seja, é  tão estúpido e deletério quanto o das esquerdas e de seus apaniguados. É  a história que me dá razão. O despotismo que se instala em nome da  liberdade do povo é duplamente perverso porque pratica todas as  violências com as quais prometeu acabar e ainda destrói a esperança.”
Heraldo Pereira é um homem livre — livre, inclusive, da agenda que queriam lhe impor. E isso lhes parece imperdoável.
PS - Ah, sim! Preestem atenção ao silêncio ensurdecedor dos ditos “progressistas”… 
Por Reinaldo Azevedo