Hoje acordei um tanto leviano. Em dias assim, falo a sério de filosofia.  O niilista respira identificando em toda parte a morte da metafísica.  Pra quem não sabe, a metafísica é a "ciência" segundo a qual existiria  um mundo de formas eternas e plenas, invisível aos olhos, mas visível ao  "espírito".
          
Engraçado como muita gente combate a artificialização da beleza do corpo  em nome de uma beleza "natural". O que essa gente não entende é que se a  metafísica morreu, a existência de uma natureza "natural" também  morreu, porque tudo neste mundo da matéria é impermanente, vago,  impreciso, e, acima de tudo, dolorido.
         
Com a morte de Deus (símbolo máximo da morte da metafísica), o corpo  velho é apenas um corpo feio e decadente. Se Deus não existe, toda  beleza artificial é permitida. Logo, viva o silicone. Mas não quero falar de Deus, quero falar de seios.
           
A vida pode ser miserável e pequena. Triste constatação. Mas miserável  pode ser apenas a constatação de que anatomia é destino, como dizia  Freud. O corpo, essa massa mortal que perde a forma com o tempo, é nosso  lar, uma casa em que habitamos e que nos abandona, deixando-nos a  herança do pó.
           
"A Pele em que Habito", título do novo e maravilhoso filme de Almodóvar,  define nosso destino. Mas não vou falar do filme, pois é aquele tipo de  filme de que quanto menos se fala, melhor, porque quando se fala dele,  corre-se o risco de falar demais.
          
O freudiano, agostiniano e dostoievskiano Nelson Rodrigues, o maior  filósofo brasileiro, escreveu um livro chamado "Asfalto Selvagem,  Engraçadinha, Seus Pecados e Seus Amores", no qual a heroína  Engraçadinha, segundo ele, seria infeliz porque tinha seios belos  demais.
           
O mundo não perdoa a (a falta de) beleza, seja ela visível ou invisível.  Por um seio bonito, mata-se e morre-se. No mínimo paga-se caro.
           
Acho que o SUS deveria pagar cirurgias plásticas para mulheres pobres  colocarem silicone nos seios. Por que não? Travestis gozam de cirurgias  de mudança de sexo, por que nossas mulheres não deveriam ter o direito  de ficarem mais belas?
           
Ontologia é a disciplina da filosofia que estuda as essências das coisas  e dos seres vivos. A ontologia diz o que você é. A ontologia da mulher  passa pelos seios, pelas pernas e pela doçura, assim como a do homem  pela potência e pelo dinheiro. O resto é mentira.
           
Tanta tinta corre no mundo em nome da política e da economia, e, ainda  assim, os seios podem decidir a vida e o amor verdadeiro. Diante deles, a  alma desfalece em desejo. Como disseram filósofos no passado, se o  nariz de Cleópatra fosse diferente, a história do Ocidente teria sido  outra.
           
Fala-se muito que devemos dar valor à alma, ao que se tem "dentro de  si", ao que se "é", e não ao que se "tem", mas, o dia a dia, aquele  mesmo em que acordamos atordoados pela constante constatação de nossas  carências e impotências, parece dizer o contrário. O futuro pode sim ser  julgado pela beleza dos seios.
          
 Isso pode ser um indicativo da solidão do mundo no qual só a matéria  existe. O niilismo, assim como o Demônio, o maior de todos os  humanistas, respeita a angústia das feias.
           
Este fato, como todo fato obscenamente verdadeiro, pede silêncio de  nossa parte. Mas eu, que peco constantemente em nome do vício, confesso:  as pessoas quase sempre fazem tudo pelo que podem ter e não pelo que  podem ser. E, muitas vezes, o "ser" é decorrente do "ter". E não falo de  grana, falo de seios.
           
Fosse Platão um admirador do sexo frágil, abriria seu diálogo "O Banquete" (sobre o amor) pela ontologia dos seios da mulher.
           
Sendo assim, a indústria da beleza deveria receber maior atenção da filosofia e não apenas suas pedras de desprezo.
           
Colocar silicone pode ser um pedido discreto de amor. Uma forma tímida  de buscar o olhar negado. Com o tempo, a forma dos seios abandona o  mundo, ficando presa no mundo miserável do passado. Não se pode pegar  com a mão ou com a boca a lembrança dos seios perdidos, apenas a forma  dos seios reconstituídos.
A beleza artificial é uma batalha discreta contra o vazio do corpo e da alma.